São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Diretor do BC desenha novo sistema financeiro

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA

CONTINUAÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Folha - Como o sr. avalia o processo de troca de aplicações por dinheiro (monetização)?
Alkimar Ribeiro Moura - Não existem informações muito precisas sobre o grau de monetização nem sobre as posições corretas de troca de numerário entre cruzeiros reais e reais. Esta havendo um certo atrito no sistema. O problema é que bancos, principalmente os que têm grandes redes, estão recebendo informações que não se sabe se é cruzeiro real ou se é real. Teremos uma avaliação mais precisa em uma semana.
Folha - A atuação do mercado não sinaliza problemas?
Alkimar - Os bancos estão reportando um aumento dos depósitos à vista no último dia do semestre. Isto é esperado. Ainda há uma certa tendência de práticas bancárias antigas para enfeitar o balanço de final de semestre. Mas, isto vai gerar aumento de compulsório, certamente.
Folha - Por enquanto não entrou nada no BC?
Alkimar - Nada. O primeiro depósito será no dia 13.
Folha - Quais são os parâmetros que o BC está utilizando para fixar a taxa de juros?
Alkimar - Eu acho que diretor de política monetária não deveria falar sobre taxa de juros. A maneira mais correta de o BC falar sobre juros é a atuação da sua mesa de operações no dia-a-dia.
Folha - Qual índice de inflação de julho o sr. vai levar em consideração para fixar os juros?
Alkimar – Vai ter uma poluição de índices este mês. Acho que julho não é um mês bom para se avaliar taxa real de juros (o que se paga acima da inflação). Eu prefiro olhar para outras coisas. Olhar para a migração dos ativos financeiros, para o movimento de ativos reais.
Folha - O BC tem notado algum movimento de migração?
Alkimar - Não tem havido nenhuma migração substancial. A não ser, o que seria de esperar, um crescimento da poupança.
Folha - O que mudou na política monetária?
Alkimar - O objetivo da política monetária não é a taxa de juros e sim o controle de base monetária (dinheiro em poder do público mais reservas bancárias). Isto significa que o juro passou a ser uma variável secundária, não menos importante, mas secundária.
Folha - A meta de emissão é apertada ou frouxa?
Alkimar - As pessoas estão olhando a experiência do Cruzado e do Collor 1 e, a partir disso aí, tirando conclusões a respeito. Dada a arquitetura do programa, eu acho que não se pode imaginar que vamos ter o mesmo fenômeno de monetização do Cruzado.
Folha - Qual é a regra que o BC e a Receita Federal acertaram para a variação da Ufir?
Alkimar - Para o cálculo do imposto devido no mercado financeiro, a Ufir não está congelada. A grande questão é a periodicidade da correção. A idéia é não ter uma sinalização diária, porque poderia ser interpretada como uma expectativa de inflação do governo. A idéia é ter um certo grau de aleatoriedade nas correções.
Folha - O dia do resgate vai afetar o tamanho do imposto?
Alkimar – Pode ter algum efeito colateral. Mas, ao mesmo tempo, isto vai se refletir no juro da aplicação. O mercado é eficiente para levar em conta estes movimentos e promover uma neutralidade tributária.
Folha - O que vai mudar no mercado financeiro?
Alkimar - Nós precisamos repensar todo o sistema financeiro e torná-lo mais compatível com um ambiente de estabilidade. Toda a idéia do programa é que, uma vez estabilizada a economia, o mercado financeiro possa operar com um indexador único, que é a TR (Taxa Referencial). Ela é a taxa de juros básica da economia.
Folha - Vai ser alterado o redutor do cálculo da TR?
Alkimar – Em agosto, ele poderá ser revisto de novo. Outra coisa importante é que, em agosto, provavelmente, a TR voltará a ser calculada com a metodologia anterior –tendo por base os juros pagos pelos CDBs prefixados.
Folha - A TR pode, no futuro, ter cotações diferentes para um dia ou um ano?
Alkimar - Na medida em que o mercado passe a negociar papéis com vários vencimentos, você vai ter uma estrutura a termo de taxa de juros. Seria desejável ter uma TR de 30 dias, outra de 60 dias, 90, 180, 320 e assim por diante.
Folha - Este processo é uma decorrência do alongamento dos prazos das aplicações.
Alkimar – Precisamos separar um pouco o que é liquidez do que é rentabilidade e tentar um alongamento voluntário das aplicações. Para isto é importante rever o sistema tributário. Existe uma cunha fiscal muito grande. Um dos efeitos da tributação é fazer subir o juro. O grande tomador de recursos é o governo.
Folha - O governo tira de um bolso para colocar no outro.
Alkimar - Exatamente. Além do mais, ao tirar de um bolso, você tem que repartir as receitas com Estados e municípios. Quer dizer, o ganho líquido para o Tesouro no mercado financeiro não é tão grande quanto o aumento do custo para a rolagem dos títulos.
Folha - Durante o Cruzado, a tributação incidia sobre o ganho nominal. Vai voltar a ser assim?
Alkimar - A manutenção da Ufir tem como pressuposto a idéia de que a inflação não é zero. Nós vamos ter uma inflação baixa, mas não necessariamente zero. Quando você admite isto, a tributação sobre ganhos nominais passa a ser, na verdade, sobre o patrimônio. Não é o que se deseja.
Folha - Quer dizer, que o que está em estudo é a redução das alíquotas atuais.
Alkimar - E a penalização das aplicações de curtíssimo prazo e, provavelmente, um esquema que contemple alíquotas cada vez menores para prazos de aplicação cada vez maiores. Para fazer isso, nós enfrentamos alguns problemas. Um deles é a anualidade do Imposto de Renda. Eventualmente, vamos fazer o que for possível este ano e preparar as mudanças para o ano que vem.
Folha - As aplicações de curto prazo terão rendimento bem abaixo da TR?
Alkimar - E, provavelmente, uma rentabilidade real igual a zero. No caso das aplicações com prazo maior do que 30 dias, o rendimento será maior do que a TR. Mas até 120 dias nós queremos que as aplicações sejam todas prefixadas.
Folha - Que outro ponto está em discussão?
Alkimar - Nós precisamos rever é toda a indústria de fundos. Uma idéia é criar fundos que possam oferecer em graus variados a combinação de rentabilidade, liquidez e segurança que o investidor quiser. Teremos que repensar o fundo de commodities porque ele, na verdade, tem esta característica de liquidez imediata, é quase moeda depois de 30 dias. Além disso, ele não tem sido um fundo muito útil para aquilo que foi criado, ou seja, gerar recursos para o financiamento das atividades agrícolas. Mas eu posso lhe dizer apenas os critérios básicos das alterações. Nós estamos pensando em ter mais fundos do que existem hoje. Eles teriam características diferentes e maior liberdade para o administrador movimentar sua carteira.
Folha - Este processo de alongamento não poderia gerar algum movimento de valorização dos ativos reais?
Alkimar - Se ocorrer isto é sinal de duas coisas: ou a taxa de juros está errada ou existe um complicador adicional. O BC pode operar a taxa de juros. Agora, quanto ao problema da indefinição eleitoral, aí, bom, realmente... Certamente, estamos levando em consideração esta indefinição eleitoral na discussão das novas regras. Nós não vamos impor um alongamento compulsório.
Folha - O sr. tem dito que o juro será mais volátil. Por que?
Alkimar - Eu reconheço que não é possível controlar ao mesmo tempo a taxa de juros e a quantidade de moeda. O que eu tenho afirmado é que, o BC vai, embora tenha como objetivo principal controlar a base monetária, ter uma atuação estabilizadora nas taxas. Um juro muito instável é pior para a economia do que um juro consistentemente alto ou baixo.
Folha - O que muda na relação entre câmbio e política monetária?
Alkimar - A relação é dada pelo fato de que o Banco Central tem um objetivo básico: o controle da base monetária. Nós sabemos que a grande fonte de expansão da base monetária em 1992, 1993 e primeiro semestre de 1994 foram as contas externas. O que se procura fazer é tentar neutralizar ou diminuir sensivelmente o impacto na base monetária das contas externas. Desde o começo do programa o aumento de base monetária decorrente de operações externas foi rigorosamente zero.
Folha – No mercado a conta que se faz é descontar o deságio do dólar em relação ao diferencial da taxa de juros (interna contra externa) que será praticado até outubro. Ela é a correta?
Alkimar - É a conta para quem quer fazer arbitragem.
Folha - Nesta conta, o deságio no câmbio e os juros vão gradualmente cair, correto?
Alkimar - A trajetória dos juros vai depender do cumprimento das metas de expansão da base.
Folha - Qual título o sr. vai utilizar?
Alkimar – BBCs, um título prefixado. A expectativa é também de um alongamento gradual dos prazos dos BBCs.
Folha - As medidas adotadas para controlar a expansão do crédito não foram exageradas?
Alkimar - Na medida em que as condições do programa evoluam, você pode flexibilizar algumas destas regras.
Folha - Como anda a saúde dos bancos estaduais?
Alkimar - O BC já fez uma operação de troca de papéis, dando LBC para os bancos estaduais e recedendo títulos estaduais. Isto diminuiu o custo de rolagem das dívidas dos Estados, mas não tem efeito monetário. Ao que consta, a situação está sob controle.

Texto Anterior: Diretor do BC desenha novo sistema financeiro
Próximo Texto: Microempresário deve dar atenção à gestão de estoques
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.