São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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Real: alargando os limites do possível

ANTONIO KANDIR

Existem dois modelos básicos de recuperação da confiança na moeda. Em um, há lastreamento e plena conversibilidade da moeda nacional em uma ou mais moedas fortes, com adoção de taxa de câmbio fixa. A chave do processo está no governo abdicar voluntariamente do poder autônomo de emissão, bem como na possibilidade de o público trocar livremente a moeda nacional pela(s) moeda(s) que lhe serve de lastro.
Noutro, não se impõe ao governo o ônus de abdicar do poder de emissão. A chave está em recuperar a confiança na própria gestão da moeda nacional, criando as condições institucionais de uma gestão menos vulnerável a pressões políticas. Para tanto, é necessária uma mudança concomitante do regime fiscal que equilibre as contas do governo com o tempo.
No Brasil, o primeiro modelo de estabilização, adequado a economias pouco sofisticadas ou que passaram por destruição completa da moeda, como a Argentina, é desnecessário e inconveniente.
Já o segundo indica o caminho a seguir, mas não pôde ser implementado agora em toda sua extensão por força de limitações políticas conhecidas de todos (governo em final de mandato e Congresso sem vontade para promover as reformas constitucionais).
Nesse quadro, o real surge como um "plano-ponte" na travessia para o próximo governo. A melhor ponte que se poderia ter construído nas circunstâncias. Forte o suficiente para emprestar credibilidade importante à nova moeda, dando impulso consistente ao processo de estabilização; e flexível o bastante para permitir ajustes ao longo do caminho.
Forte na medida que se sustenta em situação fiscal sob controle no ano de 1994, graças à aprovação do Fundo Social de Emergência. Situação fiscal fortalecida, agora, com a criação do Fundo de Amortização da Dívida Interna e a fixação de 90 dias de trégua (prorrogáveis) para o Tesouro, no que toca à concessão de garantias, novas operações de crédito e colocação de títulos (artigo 48 da MP).
Forte sobretudo porque respaldado por reservas internacionais que montam a cerca de US$ 38 bilhões. Com essas reservas e uma política cambial rígida, mas inteligente (pois há flutuação do câmbio na compra de dólares), o governo poderá tirar o máximo proveito da abertura econômica na estabilização dos preços, sem necessidade de tabelamentos e outras formas de controle.
Os fatores de força combinam-se com fatores de flexibilidade, em dosagem adequada (não há congelamento de preços e salários; o câmbio é fixo para a venda, mas não para a compra; congelamento de tarifas e indexação anual são passíveis de revisão etc.).
Fosse excessiva a flexibilidade, o plano não despertaria a necessária confiança dos agentes econômicos. Fosse o plano rígido demais, criaria entraves à regulação do mercado, criando problemas insolúveis para a política econômica e expectativas exageradas. Da maneira como foi concebido, permite sintonia fina no manejo de seus principais instrumentos.
Os que o criticam por não ter vindo acompanhado logo de reformas estruturais esquecem-se das condições políticas em que foi concebido e implementado. Quanto aos que o chamam de "eleitoreiro", deveriam meditar melhor sobre a transição do governo Sarney para o governo Collor, quando chegamos à beira da hiperinflação e da desorganização do sistema econômico.
O Plano Real não foi lançado agora, às vésperas das eleições. Ele vem sendo construído, passo a passo, desde o segundo semestre de 1993, quando se iniciou a batalha pelo ajuste fiscal de emergência. Tem sido uma empreitada de risco em que, a cada etapa, vários interesses foram contrariados.
Cabe perguntar: é eleitoreiro um plano que não promove gastança do dinheiro público, limita a expansão da base monetária, impõe restrições a operações de crédito a Estados, municípios e estatais e não lança mão de controles de preço, apesar de toda a grita?

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