São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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"Timidez dificultou adaptação"

DO ENVIADO A SAN FRANCISCO

'Timidez dificultou adaptação'
O atacante romeno Gheorghe Hagi, 29, vem provando que a unanimidade não é burra.
Ao contrário do que dizia o cronista Nelson Rodrigues, os elogios que recebe de jogadores e técnicos de outras seleções refletem sua importância no time e colocam-no como um dos destaques da Copa.
Autor de três dos oito gols marcados pela Romênia até agora no Mundial (além de dar assistência a outros três), Hagi vive um momento de redenção.
Inexpressivo na Copa da Itália, em 90, também não conseguiu sucesso nas duas temporadas (90-92) em que jogou pelo Real Madrid, marcando 15 gols em 58 jogos.
"Foi um momento de transição, em que também meu país vivia mudanças profundas", disse Hagi à Folha, referindo-se à revolução de 1989 que derrubou o regime comunista do ditador Nicolae Ceausescu.
Transferindo-se para o Brescia italiano, em 92, conseguiu ter boas atuações, apesar de o time ter sido rebaixado para a Série B.
Os passes precisos e o poder de decidir um jogo valeram-lhe o apelido de "Maradona dos Cárpatos", referência à região sudeste da Europa central, onde está a Romênia.(Ubiratan Brasil)

Folha - Como você convive com os elogios vindos de todos os lados? Isso aumenta a sua responsabilidade em campo?
Gheorghe Hagi - Fiquei muito agradecido com os elogios, principalmente os que vêm dos meus colegas romenos –devo a eles boa parte dessa boa situação.
Mas eu não me sinto pressionado. Acho que vivo um momento em que estou recebendo os frutos por todo o esforço que fiz para viver no futebol.
Folha - Você se refere à revolução de 1989 que derrubou o regime comunista?
Hagi - Sim. Naquele tempo, os clubes viviam inteiramente às custas do governo. Nós, jogadores, éramos funcionários públicos. O meu time, por exemplo, Steaua Bucareste, pertencia ao exército.
Assim, tudo era controlado. Nós não podíamos demonstrar a nossa personalidade nem ter fama. Tudo era padronizado.
Folha - Foi por isso que você teve dificuldades, quando se transferiu para o Real Madrid da Espanha, em 90?
Hagi - Foi. Eu era um jogador muito tímido, não estava acostumado ao estilo do futebol europeu, que vive da promoção pessoal. Tudo aquilo me perturbou e dificultou a minha adaptação.
Folha - Você realmente só se sentiu melhor quando se transferiu para o Brescia, que é um time pequeno?
Hagi - É verdade. No Brescia, eu me acostumei mais facilmente, apesar da cobrança por estar em um time que acabou rebaixado.
Mas me adaptei logo ao estilo de vida, que realmente é muito melhor que na Romênia.
Folha - Como você vivia em seu país durante a ditadura?
Hagi - Era difícil, porque tudo dependia do governo. Eu procurava não fazer política, mesmo jogando no time do exército. Mas não podia ter ambição alguma porque vetavam. Então a vida era pacata, mas sem perspectivas.
Folha - E como é a expectativa agora de ser apontado como um dos destaques do Mundial?
Hagi - É excitante. Principalmente porque acho que isso vai atrair mais atenção ao futebol romeno. Não que vá melhorar.
Na verdade, só vai aumentar o número de jogadores se transferindo para o exterior. Infelizmente, a vida continua difícil: a avó de um amigo meu ganha apenas US$ 8 por mês de pensão.

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