São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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Na Copa, a bola gosta mesmo é dos baixinhos

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA REVISTA DA FOLHA

Foi pronunciada pelo sr. Rubens Minelli possivelmente a maior tolice entre todas que integram o acervo de idéias daqueles que no Brasil, a partir dos anos 70, passaram a defender a supremacia do futebol de força atlética. Disse o douto treinador, certa vez, que caso coubesse a ele o comando do Brasil numa Copa do Mundo –desgraça da qual, felizmente, fomos poupados– não aceitaria jogadores com menos de 1m75.
Não tardou muito para que o bom senso prevalecesse, com a singela lembrança de que Pelé, por exemplo, seria barrado pelo insólito critério da fita métrica. Embora de forma mais sutil, a lógica minelliana surge ainda hoje em opiniões do tipo "Garrincha atualmente não faria nada porque não lhe dariam espaço para driblar" ou "quem quiser ver espetáculo que vá ao circo"–opiniões que escondem um soturno ódio ao talento individual.
Garrincha não joga futebol hoje e o almirante Nelson não sabia como combater submarinos –eles não existiam. Mas o chamado futebol moderno, que, na verdade, tem variado muito pouco desde a Holanda de 74, embora dê mais perspectivas para o jogador de baixa técnica e alta aplicação, não é um território hostil ao tipo de craque que o sr. Minelli chegou a pensar em banir dos estádios.
A mais límpida evidência disso chama-se Diego Maradona, o maior jogador de futebol que o mundo já viu desde que Pelé abandonou os gramados. Longe de ser um exemplo de vigor físico e aplicação, Maradona fez coisas com a bola capazes de despertar a admiração do mais desatento dos espectadores de futebol. Alguém ousaria qualificá-lo de um jogador ultrapassado –ainda que usasse como critério apenas os três jogos que fez nesta Copa?
Outro fenômeno entre os baixinhos (tema da contracapa deste caderno), Romário é, em certo sentido mais do que Maradona, a prova de que no futebol tamanho não é documento: por ser um centroavante puro, ao contrário do craque argentino, que vem com a bola de trás, desmonta a idéia de que é melhor hoje em dia ter na área um jogador grande e rompedor.
Toda teoria sobre o perfil do centroavante "moderno" dissolve-se com Romário –legítimo herdeiro do saudoso Reinaldo, um "fuoriserie" a quem a sorte não ajudou. O argumento de que num futebol de atacantes isolados entre beques fortes a altura e o vigor físico são fundamentais cai aos pés desse baixinho capaz de surgir por detrás daquele armário russo e escorar um córner de bate-pronto, com a ponta do pé, fazendo a bola rolar para o gol.

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