São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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TEMPESTADE DE FOGO

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

(continuação)
Os próprios cientistas não sabem com certeza o que vai acontecer quando os fragmentos do Shoemaker-Levy 9 entrarem na atmosfera de Júpiter. O certo é que temem o mesmo para a Terra.
"A maior incógnita é o tamanho dos fragmentos", diz Mordecai-Mark Mac Low, da Universidade de Chicago (EUA). "Quanto maiores, maior a explosão."
O cometa originalmente tinha cerca de 10 km de diâmetro. Orbitava Júpiter regularmente até que, em julho de 1992, chegou perto demais do planeta.
A força gravitacional de Júpiter fez com que se fragmentasse. Foi como apareceu pela primeira vez, em 1993, aos astrônomos Eugene e Carolyn Shoemaker e David Levy (leia texto à pág. 6).
Fotografado no início deste ano pelo telescópio orbital Hubble, foi possível distinguir 20 núcleos maiores, possíveis fragmentos com diâmetro estimado entre um e quatro quilômetros.
"Nunca foi observado um cometa com tantos fragmentos", diz Zdenek Sekanina, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, em Pasadena (Califórnia, EUA).
Segundo ele, os maiores pedaços podem ter poder explosivo 100 mil vezes maior que os maiores testes nucleares sobre a Terra.
Juntos podem somar 100 milhões de megatons de TNT, mais de 10 mil vezes o arsenal nuclear do planeta no auge da Guerra Fria.
Especialista em cometas fragmentados, Sekanina diz que, além de ser a maior bomba já vista, o Shoemaker-Levy 9 é único.
Primeiro, porque é um dos raros cometas que orbitam Júpiter, enquanto a maioria desses astros gravita em torno do Sol.
Segundo, porque sua fragmentação, causada por forças fracas, é um dos primeiros indícios de que cometas tenham a consistência e a fragilidade de uma paçoca.
Terceiro, porque sua cauda pode não ter sido gerada do modo como normalmente são formadas as cabeleiras de cometas.
Em geral, cometas são bolas geladas de água, gás carbônico, amônia e outros materiais.
Ao se aproximar de fontes de calor como o Sol, eles se aquecem liberando gases. São esses gases que formam sua cabeleira.
Mas o Shoemaker-Levy 9, apesar de cruzar a distância São Paulo-Santos num segundo, tem velocidade e atividade muito baixas para cometas que soltam gases.
Segundo Sekanina, a maior parte de sua cauda pode ser formada por pequenos fragmentos.
Finalmente, o Shoemaker-Levy 9 é singular por estar rumando inexoravelmente para a colisão contra um planeta, fato jamais testemunhado por seres humanos. "Nunca vimos nada igual", diz Sekanina.
A colisão também pode esclarecer mistérios sobre o maior planeta do Sistema Solar. "As explosões vão atuar como sondas na atmosfera de Júpiter", diz Mac Low.
Ele simulou com um supercomputador como seria a entrada dos fragmentos na atmosfera de Júpiter (veja fotos nesta página).
Cada um vai penetrar as nuvens de amônia que recobrem o ar jupiteriano a 60 km/s.
Menos de cinco segundos depois, a atmosfera pode começar a espremer e fraturar o fragmento, gerando a explosão. Fragmentos maiores penetrarão mais fundo.
O gás liberado pelo cometa pode chegar a 30 mil graus, lançando uma bola de fogo por cima das nuvens. Essa bola pode subir até 3.000 km e, possivelmente, se tornar visível da Terra.
O material do cometa, regurgitado por Júpiter, pode formar um anel em torno do planeta, ou em torno de uma de suas luas.
A atmosfera de Júpiter pode reverberar como ondas formadas em um lago quando se lança uma pedra. Isso será visível (veja simulação nesta página).
Analisando o tempo de propagação dessas ondas e o material expelido para fora pela bola de fogo será possível testar várias teorias sobre a temperatura do planeta e a composição da atmosfera (inclusive sobre a presença de água).
Também é possível que os fragmentos gerem ciclones, ou manchas na atmosfera, comparáveis às manchas brancas do planeta (com tamanho cerca de 15 vezes menor que a grande mancha vermelha).
Cerca de dez minutos após cada impacto, a região da atmosfera onde ele ocorreu se tornará, pela rotação do planeta, visível da Terra.
Mas a explosão em si, esperada para três minutos após o impacto, só poderá ser detectada daqui pelo reflexo nas luas de Júpiter.
"Uma das perguntas mais difíceis de responder é quão brilhantes esses eventos serão", diz Antonio Mário Magalhães, do Instituto Astronômico e Geofísico da USP.
As luas galileanas, assim chamadas por terem sido descobertas pelo astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), podem aumentar várias vezes de brilho.
O brilho do satélite Ganimede pode aumentar seis vezes e o da lua Io, até 35 vezes. "Isso poderá ser visto por um pequeno telescópio amador", afirma Magalhães.
Mas quem vai ver as colisões de camarote não será nenhum astrônomo terrestre. Será Galileo, não o cientista, mas a sonda da Nasa, planejada para entrar na órbita de Júpiter em 1995. Ela vai registrar as colisões e depois enviar imagens à Terra. (HGz)

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