São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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GUERRA E PAZ

CONTINUAÇÃO

Tatjana pertencia à típica família mestiça que a nova ordem quer dizimar. Seu pai era sérvio, sua mãe muçulmana. Ela, sérvia, casara-se com Emir, muçulmano. No meio da noite, seu marido atendia telefonemas anônimos que diziam: "Você, porco muçulmano, tem que partir. Aqui não é seu país". Durante o dia, Tatjana já não podia chamar Emir pelo nome, pois denunciaria sua origem.
No período em que viveu na cidade em guerra –até fevereiro de 1994–, em vez de praticar o violino, Tatjana cortava lenha. A cidade está sem eletricidade há dois anos. "Você pode imaginar isso, em pleno século 20?", revolta-se. "E com um inverno de 15 graus negativos?" Para as poucas horas diárias de treino, lavava as mãos em pedras de gelo –a água também escasseava.
Se não era o frio, a preocupação consistia em arrumar o que comer numa cidade bombardeada 24 horas por dia. "Uma lata de óleo era vendida a 30 dólares no mercado negro", lembra-se. "Muita gente ganha dinheiro com essa guerra." O prato do dia era composto de arroz, farinha de trigo e "uma espécie de carne" mandada pela ajuda da ONU.
À noite, a família se reunia e contava histórias para passar o tempo. No escuro, entre tiros de franco-atiradores, a brincadeira era adivinhar a cara das pessoas em volta. Dormiam no chão, em alojamento improvisado com amigos. Seu apartamento original caiu nas mãos do exército sérvio. "Havia até uma piada em Banja Luka", diz Tatjana. "O melhor amigo de quatro patas do homem não é o cão. É a cama."
No fim do ano passado, seu pai não resistiu e morreu. Teve uma hemorragia estomacal e não recebeu sangue a tempo dos hospitais improvisados pela Cruz Vermelha. "Os médicos priorizavam os feridos de guerra", lembra-se Tatjana. Dois meses depois, sua mãe se suicidou, jogando-se no rio que divide a cidade. "Percebi que era hora de partir", diz Tatjana.
Graças ao sobrenome, Tajana e a filha não tiveram problemas em atravessar o corredor sérvio, cercado por muçulmanos ao sul e croatas ao norte, que liga Banja Luka a Belgrado, capital da Sérvia e da Iugoslávia (que inclui Montenegro). De lá, tentariam fugir para algum país europeu.
O problema era Emir. Com a cara conhecida pelas aparições na TV, o marido de Tatjana teve dificuldade em conseguir documentos sérvios falsos. Acabou comprando de vizinhos por US$ 700. "Mas eram malfeitos", lembra Tatjana.
(continua)

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