São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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A segunda morte de Diego Maradona

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

A praça do Duomo, em Milão, estava tingida de azul. O Napoli acabara de sagrar-se campeão italiano, roubando do Milan a honra de bordar no uniforme o "scudetto" tricolor.
Um grupo de napolitanos em cortejo triunfal e eufórico carregava um caixão sobre o qual lia-se o nome de Silvio Berlusconi, então presidente do Milan, hoje presidente do Conselho de Ministros –o premiê da Itália.
Esculpida em mármore, monumental, a catedral gótica milanesa, com a célebre "madonnina" dourada em seu cume, servia de cenário para a alegria sulina. Cantoria, gritos, mãos atiradas aos céus.
Se havia um Deus ali capaz de brilhar mais que do que a Madonna, ele chamava-se Maradona. O Deus da vitória, o Deus da celebração, o Deus da vingança dos humilhados do Sul contra a prepotência "européia" do Norte.
Quando começou a Copa de 90, Maradona era uma das pessoas mais admiradas na Itália e no mundo. Exercia sobre os napolitanos um fascínio tamanho que sentiu-se poderoso o suficiente para conclamá-los a torcer contra a Itália.
Semeou a discórdia e acabou eliminando os italianos da Copa. A Argentina não foi campeã, mas Diego continuou no altar.
Os deuses não tardaram, contudo, a restabelecer a ordem e a lembrar aos homens que Maradona era também humano, demasiadamente humano. Usava drogas, tinha um filho fora do casamento, era amigo de mafiosos.
A primeira morte de Diego Maradona levou-o ao fundo dos infernos. Banido da Itália, expulso dos templos do futebol, passou a vagar como um anjo caído sob os olhos irados de seu rebanho. Hipocrisia, ódio, incompreensão. O semideus estava enterrado.
Engano.
Passados quatro anos, ei-lo novamente em seu corpo, pronto a reconquistar o poder perdido, pronto para o novo triunfo e a consagração.
Poucos acreditavam que em seu peito ainda ardia o fogo divino. Mas bastaram duas partidas para que se restabelecesse a desarmonia no universo.
Diego voltaria ao céu. Levaria novamente seus seguidores ao êxtase. Recuperaria seu lugar nos estádios. "Diego é nosso Deus", lia-se numa faixa estendida pelos fanáticos argentinos nas arquibancadas norte-americanas. Dois jogos –e ei-lo ressuscitado.
Mas quando os incrédulos voltavam a idolatrá-lo, quando os fiéis renovavam suas glórias, quando o mundo via-se obrigado a curvar-se ante sua imagem, a espada da vingança cravou-se em seu peito.
Num ritual acompanhado em todo o planeta, os dirigentes do esporte, apoiados em provas incontestáveis da medicina científica, levaram a todos a Verdade. Maradona voltou a cometer o mesmo erro: ele é humano.

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