São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
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Vivendo com o real

ITAMAR FRANCO

Completamos duas semanas de real. Como cidadão, posso dizer sem nenhum exagero que estou orgulhoso de saber que o Brasil é capaz de dar um passo como esse –trocar todo o dinheiro do país sem qualquer incidente, com uma intensa mobilização popular e uma enorme confiança no novo dinheiro. Também como cidadão, senti algo especial ao trocar meus cruzeiros reais, desgastados pela inflação, pelas novas cédulas e moedas do real. Tive, como qualquer brasileiro, uma sensação diferente, a de ter na mão um dinheiro forte, uma imagem da nossa própria soberania como a bandeira –um dinheiro que nós criamos não por força de um decreto, simplesmente, mas preparando cuidadosamente o caminho, as condições para que esse dinheiro valesse o que vale.
Essa confiança do cidadão no novo dinheiro é o fato mais importante que o Plano Real gerou. Ela mostra que o real nasceu não apenas com as condições econômicas, monetária e cambiais indispensáveis para garantir a sua força, mas sobretudo com credibilidade junto ao agente por excelência da economia, o povo, os consumidores. Essa credibilidade e essa confiança traduziram-se no aumento da poupança logo no começo de julho, contrariando as expectativas negativas que falavam de uma corrida ao consumo. Elas estão também na base da reação popular contra os aumentos abusivos de preços com quem alguns tentaram levar vantagem na passagem para a nova moeda. São elas também que estão ajudando a neutralizar a tendência a passar para o real, como resíduo, a inflação do final de junho, que vai aparecer nos índices que começam a ser divulgados a partir de agora por um efeito estatístico.
Como presidente, eu só posso registrar o meu agradecimento à forma pela qual o povo brasileiro fez a troca da moeda, à confiança com que recebeu o novo dinheiro. Foi a melhor resposta possível a um plano que, desde o início, determinei que fosse transparente, aberto, democrático, sem supresas, sem choques e principalmente sem qualquer tipo de confisco ou quebra da confiança. Apesar de todo o ceticismo que poderia ter, em razão das experiências anteriores que fracassaram, o brasileiro teve fé, acreditou, usou a razão e apostou firme no seu desejo de pôr um fim à inflação e à carestia que ela acarreta.
Mas estamos apenas no começo. Um bom começo, que vai firmar-se quando conseguirmos reverter os aumentos de preços injustificados que ocorreram na passagem para o real; quando conseguirmos ir baixando as taxas de juros; quando verificarmos que todos os agentes econômicos, do comércio, da indústria, do sistema financeiro, da agricultura, abandonaram a mentalidade inflacionária que fazia exagerar na margem de lucro, para adotarem de uma vez por todas a boa lei da concorrência livre e leal, a noção de que o lucro mais seguro e duradouro vem das quantidades vendidas, dos estoques que se renovam rapidamente, da clientela firme que reconhece o preço justo.
Quando completarmos essa grande virada que começou com a chegada do real, o Brasil terá dado o grande salto qualitativo no seu desenvolvimento econômico e social. Com a estabilidade que está começando, vamos poder fazer as reformas indispensáveis para corrigir as outras distorções estruturais que concentraram a renda social e regionalmente no Brasil, que depauperaram o Estado, diminuindo-lhe a eficiência como agente promotor da justiça social e da segurança do cidadão, e que nos tiraram grande parte da nossa competitividade internacional justamente quando a história enterrou as disputas ideológicas para centrar a competição na áurea econômica, comercial e tecnológica.
Será o trabalho para mais de um governo, para mais de uma geração, talvez, mas o importante é que começamos, com fé, com confiança, com firmeza, todos unidos, com a garantia de uma moeda que finalmente representa, junto com a bandeira, a soberania que só assim vamos fortalecendo.

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