São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
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Medo da crítica

Não há dúvidas de que uma sociedade democrática tem de ser capaz de conviver com uma imprensa livre e crítica. Não restam dúvidas, tampouco, de que alguém que se sinta atingido por uma reportagem ou artigo qualquer tem de ter meios para defender-se e cobrar reparação; afinal, nenhum veículo de comunicação ou jornalista detém o monopólio da infalibilidade.
E é óbvio que o caminho mais civilizado para aqueles que se sentem pessoalmente ofendidos por um texto qualquer é a via jurídica.
No Brasil, contudo, dois vícios renitentes impedem que os mecanismos que deveriam regular as infrações ao tênue limite entre a liberdade de expressão e os direitos individuais funcionem a contento.
A primeira deformação tem origem na já clássica morosidade do Congresso. Apesar de a Carta de 88 consagrar a plena liberdade de expressão, continua em vigor a lei nº 5.250 de 67, a famigerada Lei de Imprensa, fruto de um dos mais autoritários e prepotentes regimes que o país já conheceu. E quem quer que deseje legitimamente processar um jornal, jornalista ou articulista tem de recorrer a essa legislação.
As penas desproporcionais e os delírios censórios do diploma fazem muitas vezes com que a lei não seja aplicada, com prejuízos para a imprensa, que assim não aprende a ser responsável, e para cidadãos que tenham de fato sido ofendidos por veículos de comunicação.
A segunda distorção está na diminuta capacidade de certas autoridades de assimilar críticas ou mesmo reconhecer certos fatos. Confundindo as instituições que dirigem com sua honra pessoal, tomam muitas vezes críticas precisas e bem feitas como ataques injustificados, partindo para o revide na Justiça, numa vã tentativa de desabonar os argumentos contra eles empregados.
Um bom exemplo dessa atitude é o processo que o deputado Roberto Cardoso Alves (PTB-SP) move contra o professor Roberto Romano, colaborador desta Folha, motivado por um texto publicado neste diário. Romano não foi além do comentário sobre fatos, estes sim desabonadores para o criticado. Em vez de reagir às irregularidades, preferiu enxergar nos textos uma ofensa, típica reação de quem se acha acima da crítica.
De qualquer forma, tanto para que a imprensa possa tornar-se mais responsável como para que injustiças sejam reparadas, é preciso que uma nova lei de imprensa seja elaborada e que determinadas autoridades aprendam a aceitar a crítica e dela fazer proveito.

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