São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 1994
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A política cambial

RENATO FRAGELLI CARDOSO

Através da resolução 2.087, o Banco Central (BC) obrigou-se a vender, embora não a comprar, qualquer quantidade de dólares à taxa de R$ 1,00, por prazo indeterminado. Em seguida, sinalizou que a taxa de juros ao longo do primeiro mês do plano ficaria em torno de 7,5% e manteve-se fora do mercado de câmbio, deixando a cotação despencar para R$ 0,91. Por que a cotação caiu tanto?
Para responder a esta pergunta, basta acompanhar a operação financeira baixo.
Suponha que a cotação de mercado fosse de D centavos de real por dólar. Qualquer banco poderia: 1) tomar emprestado US$ 1 no exterior a uma taxa de juros (externa) de 1% ao mês; 2) vender o dólar no mercado interno por D centavos de real; 3) aplicar os D centavos à taxa de juros de 7,5%, obtendo, ao fim do mês, 1,075 vezes D centavos de real e; 4) honrar seu empréstimo no exterior comprando US$ 1,01 do BC (US$ 1 de principal mais 1% de juros) por R$ 1,01.
Esta operação daria lucro caso D vezes 1,075 fosse maior do que 1,01, isto é, para D superior a R$ 0,939. Isto é o que os economistas chamam de arbitragem. Quando vários bancos repetissem esta operação, a cotação cairia até R$ 0,939.
Prolongando-se a operação por dois meses, sendo a previsão de taxa de juros interna no segundo mês de 4,5%, o novo teto da operação seria R$ 0,908. Na quinta-feira 7/7/94, a cotação oscilou entre R$ 0,905 e R$ 0,910! Prosseguindo-se por prazos cada vez mais longos, ter-se-iam tetos cada vez mais baixos.
Conclui-se que a taxa de câmbio não caiu ainda mais, devido a incertezas quanto à duração do compromisso de venda do BC e quanto às futuras taxas de juros.
Em resumo, os fatores que levam a cotação de mercado a distanciar-se do teto de R$ 1,00 são: 1) aumento da confiança geral no compromisso do BC de vender a R$ 1,00 e; 2) aumento da diferença entre a taxa de juros interna e a externa.
Um cenário favorável ao plano econômico ocorreria com um controle rígido dos gastos públicos, trazendo ao governo crescente credibilidade.
Para impedir uma consequente queda contínua da cotação do dólar, o BC reduziria a taxa interna de juros. Esta jamais ficaria abaixo da externa, pois se isto ocorresse, o mercado compraria dólares do BC para aplicar no exterior, numa operação de arbitragem inversa à descrita acima.
Para conter a perda de reservas, o BC seria forçado a elevar a taxa de juros interna até esta se igualar à externa.
No cenário desfavorável ao plano, o descontrole dos gastos públicos traria perda de credibilidade até o ponto em que, mesmo com a taxa de juros interna superior à externa, a cotação de mercado se aproximaria de R$ 1,00.
Neste caso, a cotação de mercado, embora abaixo de R$ 1,00, ficaria acima do teto definido pelo diferencial das taxas de juros interna e externa, gerando um prêmio de risco para quem se dispuzesse a vender.
Quanto menor fosse a credibilidade do BC, maior seria a taxa de juros exigida pelos que vendessem dólar abaixo de R$ 1,00. Se a taxa de juros fosse demasiadamente alta, o BC, vencido pelo mercado, abandonaria o compromisso de venda a R$ 1,00.
O exercício acima demonstra que a atual combinação de políticas monetária e cambial não apenas define um teto para a cotação do dólar –R$ 1,00– mas também um piso para a taxa de juros doméstica –igual à taxa de juros externa.
Trata-se de uma estratégia competente, mas cujo êxito dependerá da capacidade política do governo de controlar seus gastos.

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