São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 1994
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Bota o rei Congo no congado

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Custou, mas chegou. E chegou em boníssima e bendita hora. Uma vitória coletiva, embora a justiça obrigue a citar os nomes de praxe. Todas as misérias que formam nossa bagunça verde-amarela, todas as frustrações e vergonhas, tudo isso ferveu no alto forno que despejou, aço em brasa, a lâmina incandescente de nosso orgulho mais fundo, de nossa alegria mais desvairada.
Vi os últimos minutos da partida e me surpreendi pensando numa legião que, ao longo do tempo, devia estar ali, no campo e no meio da gente. João Saldanha, Ary Barroso, Nelson Rodrigues, Mário Filho, Sandro Moreira, Mário Vianna (com dois ennes), Geraldo José de Almeida, José Lins do Rêgo, Salim Simão, meu primo Francisco de Moraes Laudano (que recebia o demônio em Barra do Piraí e morreu fulminado por um raio; torcia pelo São Cristovão, foi toureiro na Espanha e cabo de polícia em Governador Valadares). Uma seleção de saudade e certeza de que éramos, por definição, por necessidade, por opção e herança os melhores do mundo.
A perspectiva do tempo mostra o quanto foram importantes para nosso eu coletivo os campeonatos de 58, 62 e 70. Um sociólogo inteligente poderia dividir nossa história em antes e depois dessas datas que nos enchem a barriga, senão de pão, ao menos de glória –o que nem sempre é a mesma coisa.
O tetra será uma espécie de lâmpada de Aladim inútil, mas à mão para ser esfregada nos momentos de desespero. Pedra filosofal que produzirá o ouro do nosso orgulho –não importa que as bolsas de Nova York e Tóquio não reconheçam o seu valor.
Estou indo essa semana para a Itália, quinta-feira amanhecerei em Milão. Irei de cabeça erguida, jogarei o passaporte na guarita do guarda da alfândega e dele cobrarei o olhar do derrotado, a homenagem do vencido. Se revistarem minha mala, nela encontrarão a muamba que estarei levando: uma camisa amarela já com a quarta estrela gravada no peito. Depois de Aníbal que acampou em Cápua e fez tremer o colosso romano, depois de Átila que obrigou o Papa a se ajoelhar diante do seu cavalo que não deixava a grama crescer, vou eu, agora, saborear de corpo presente a glória que eleva, honra e consola.

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