São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 1994
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Falta-nos o pão

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – A principal obra de um político é o conjunto de suas frases. Pelas palavras, pode-se medir a seriedade de propósitos do sujeito. Faça-se, porém, uma ressalva: o que se diz em público vale tanto quanto uma moedinha do velho cruzeiro real.
No alto do palanque, não há candidato que não use máscara. Em política, conta mais o que é dito na intimidade.
O político pode levantar edifícios e asfaltar estradas, mas se não for capaz de erigir algumas boas frases, será sempre um indigente da história. Nos livros, jamais passará da sarjeta de um rodapé de página. O cabeçalho está reservado para "Lacerdas".
Tancredo Neves, por exemplo, não foi calado sequer pela morte. As palavras saltavam-lhe da boca mesmo depois que desceu à sepultura.
Um amigo da velha raposa jura ter ouvido de seus lábios, na privacidade da conversa a dois, o seguinte raciocínio: "Como objeto de análises acadêmicas, como protagonista de estudos sociológicos, o povo é algo fascinante. Mas pessoalmente, frente a frente, o povo é simplesmente intolerável".
É verdade que frase de político morto vale tanto quanto promissória de defunto. Mas, como em toda eleição, há no Brasil de 94 políticos que não hesitariam em adotar como suas as palavras atribuídas a Tancredo.
Pois bem, a aversão do político ao seu eleitor o torna um torcedor especialíssimo. Ninguém torceu mais pelo tetra do que os candidatos. Faz-se a seguinte aposta: a vitória da seleção vai embebedar o brasileiro.
No comitê de Fernando Henrique, chega-se a imaginar que o otimismo despertado pelo tetra beneficiará o candidato do real.
Aposta-se no circo, na expectativa de que o ambiente de festa leve o eleitor a esquecer a falta de pão. A utilização do futebol como anestésico político é, porém, uma fórmula esgotada. Utilizada com algum sucesso na década de 70, hoje tem menos chances de vingar.
Episódios como o impeachment de Collor e o escândalo do Orçamento tendem a calejar o eleitor, distanciando-o do torcedor. O brasileiro de hoje é capaz de vibrar com o circo e, simultaneamente, exigir o pão.

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