São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 1994
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As conferências da ONU

LUIZA NAGIB ELUF

Sob a égide da ONU, em setembro deste ano acontecerá, no Cairo (Egito), a Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento e, no ano que vem, teremos a Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim (China).
Alguns dos assuntos da maior relevância a serem debatidos em ambos os eventos estão relacionados à procriação, à saúde e à sexualidade. Inevitavelmente, estarão em pauta os anticoncepcionais, as esterilizações, o aborto, a maternidade livre e os direitos individuais.
Alvo de numerosas reivindicações formuladas pelos movimentos sociais, que clamam por assistência médica condigna no campo da reprodução, incluindo orientação e informação sobre sexualidade, o governo federal democratizou os processos preparatórios para as duas conferências, tendo já produzido o relatório oficial para a primeira, no Cairo.
Foram promovidos amplos debates públicos, seminários e palestras sobre os temas a serem tratados pela ONU, durante os quais todos os interessados, inclusive a CNBB, tiveram a oportunidade de se manifestar, apresentando suas idéias e sugestões.
Algumas posições inflexíveis estão sendo defendidas pela cúpula da Igreja Católica que, representada pelo Vaticano, vem se opondo sistematicamente ao planejamento familiar, aos serviços de saúde reprodutiva e à orientação sexual.
O governo do Brasil, dando cumprimento à Carta Magna, enfrentou a questão sem se intimidar pelas pressões. Ao contrário da posição de outros países da América Latina, dentre os quais a Argentina de Menem, nosso país mantém-se ao lado dos interesses da maioria da população, no respeito intransigente à democracia e às normas vigentes.
Age muito corretamente. Afinal, a opção de ter ou não ter filhos é garantia constitucional que não pode ser questionada, apenas obedecida.
A título de exemplo recente do que ocorre no Congresso com relação aos direitos reprodutivos, a Câmara aprovou projeto de lei que regulamenta o art. 226, parágrafo 7º, da Constituição Federal, que determina ser o planejamento familiar livre decisão do casal. O projeto procura assegurar o atendimento gratuito à população quanto aos métodos e técnicas de concepção e anticoncepção cientificamente aceitos, incluída a esterilização voluntária, que passaria a ser realizada pela rede pública de saúde, a pedido do(a) interessado(a).
Trata-se de dar aplicabilidade integral a um dispositivo constitucional fundamentado nos princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da paternidade responsável. Restam a aprovação pelo Senado e a sanção do presidente da República para que o projeto se torne lei, o que esperamos aconteça em breve, com a compreensão da CNBB.
Isso porque a postura católica de apenas tolerar os métodos "naturais" de evitar filhos associados à abstinência sexual é, obviamente, inviável. A realidade social já mostrou com clareza que essa pregação não funciona e ainda apresenta eficácia distorcida.
Nem o Brasil nem o resto do mundo pode arcar com o crescimento descontrolado da população e esta preocupação nada tem a ver com a "desagregação da instituição milenar da família", com o "controlismo", com as "esterilizações em massa" ou com a prática de "abortos generalizados", como vêm equivocadamente alardeando os partidários da repressão sexual.
Todos gostamos da "família" e, por isso, pretendemos que ela seja cada vez mais harmônica e bem informada, amparada pelo Estado e voluntariamente constituída. Sem hipocrisia e sem culpa.
Daí a fundamental importância de enfrentarmos os temas referentes à reprodução humana à luz da Constituição: com liberdade de opção, sem preconceitos ou discriminações.
Nesse aspecto, o governo vem se pautando por atitudes coerentes, firmes e democráticas. A condução do processo de discussão que determinará as posições a serem defendidas pelo Brasil perante a comunidade internacional é merecedora de todo o nosso aplauso.

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