São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 1994
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Itamar não tem culpa

LUÍS NASSIF

No seu anúncio, o Plano Real foi criticado por cometer duas imprudências: a incerteza em relação a quem seria o próximo presidente; e a certeza sobre quem é o atual. Itamar Franco era um dado da realidade, irremovível e, como tal, jamais poderia ser ignorado pelos formuladores do plano.
No lançamento do Cruzado, dizia-se que havia um nó político que impedia as reformas e que o plano visaria garantir popularidade ao governo, para poder liderar o conjunto de reformas necessárias para sua consolidação.
O prestígio angariado por José Sarney foi utilizado para que cometesse toda sorte de imprudências e politiquices possíveis.
No ano passado, com o governo ridicularizado com a performance do presidente e com o Congresso desmoralizado pela CPI do Orçamento tinha-se a possibilidade concreta de implementar-se reformas.
Sempre que se trata de correr riscos políticos, os economistas são extremamente pragmáticos e benevolentes para com suas próprias fraquezas. As reformas não seriam possíveis porque o presidente da República era instável.
Na hora de comandar uma troca de moeda que seria útil para os propósitos políticos de seus autores, o presidente virou gênio de bom senso.
O próprio ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, voltou a sacar do coldre o velho argumento de que a popularidade com a troca de moeda ajudaria o governo a promover as reformas. E agora?
Liberdade para matar
Era óbvio, desde o primeiro momento, que as pressões de Itamar pelo plano não se prendiam a nenhum compromisso com a estabilização. O que o estimulava era a possibilidade de o plano conferir a mesma popularidade que conferiu a Sarney, permitindo-lhe, assim como no Cruzado, libertar-se dos limites orçamentários e políticos e rodar a baiana.
E agora? É possível o presidente de um governo quebrado ir contra um acordo já fechado entre a área econômica e representantes de militares, considerando o reajuste acordado insuficiente? Em se tratando de Itamar, é.
É possível o presidente de um governo quebrado, em pleno lançamento de um plano de estabilização, propor investir US$ 2 bilhões em uma obra megalomaníaca de irrigação, que sequer dispõe de consenso técnico sobre sua viabilidade? Em se tratando de Itamar, é. E a verba ainda vai ser administrada pelas mãos impolutas desse insuspeito Aluizio Alves.
A festa está apenas começando e ficou como o diabo gosta. Desde o tal "plano nada" do ex-ministro Elizeu Rezende, sabia-se que Itamar, eufórico, é muito mais perigoso do que Itamar sorumbático.
Não se culpe o presidente se o plano for por água abaixo. Itamar é isto aí. O que ele quer apenas é mostrar aos que o ridicularizaram por sua vaidade vazia, por seu despreparo, pelas cenas ridículas do Sambódromo, que ele é muito homem. Sequer tem condições de estabelecer relações de causa e efeito entre suas atitudes e os desastres que provocar.
Mas vai haver cobrança pesada em cima de quem cometeu a imprudência de lançar um plano de alto risco, tendo um presidente como este.
Crime fiscal
A decisão do presidente da República, de permitir à Seleção se livrar da fiscalização da Receita, constitui-se em crime fiscal. Mas que não vai dar em nada, porque nunca se viu o procurador-geral Aristides Junqueira –que, pela Constituição, deveria comportar-se como defensor do patrimônio público– tomar nenhuma decisão efetiva contra os donos do poder.

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