São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 1994
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Só queríamos uma seleção mais moleque

ALBERTO HELENA JR.
EM SÃO PAULO

A geada queimou as primaveras, e o que era vermelho, amarelo, rosa, virou um emaranhado de galhos secos e cinzentos. E um verão fora de hora se insinuou no inverno brasileiro que não vivi. Tudo indica que a natureza conspirou para receber nossos tetras com o devido calor. Ou a seleção trouxe o sol da Califórnia para o frio da Paulicéia.
Aqui, dei de cara com o real, que cheira a fantasia. Pelo menos, esse negócio de valer mais do que o dólar. Fantasia que o país veste misturando as cores da vitória nos campos de futebol com as dos partidos políticos que disputam as eleições.
Aliás, como criticamos o regime militar por se utilizar da conquista do tri. E, agora, o que fazemos? Temperamos a geléia real com uma pitada do plano economico, outra dos gols de Romário, mais a oferta dos produtos do dia e o orgulho de ser brasileiro haverá de desembocar nas eleições gerais. Tudo me soa falso como batucada numa tampa de isopor.
Mas há um lado bom a ser considerado. No avião, na volta, sentei-me ao lado de um rapaz de uns 24 anos de idade, carioca, que estuda em Los Angeles. O moço estava simplesmente deslumbrado com a conquista do tetra. Ele jamais havia sentido o gosto da vitória.
Toda uma geração de homens e mulheres nunca pôde gritar o grito de campeão do mundo. Até que ponto esse grito entalado na alma jovem e entusiasmada não contribuiu para o estado de entropia que tomou conta do Brasil nas últimas duas décadas?
Ser brasileiro, antes de 64, era cultivar a malícia, a malandragem, a improvisação, a capacidade de driblar o destino e a realidade, sempre com um sorriso nos lábios.
Depois, a idéia de nacionalidade escureceu, ganhou um tom de arrogância no ame-o ou deixe-o, tinha algo de depuração, de enquadramento de espírito da chamada brasilidade.
Acho que é mais por isso tudo que eu gostaria de ter visto nos EUA uma seleção um pouco moleque, mais crioula, menos burocrática e sisuda.
No fundo, era por isso que brigava tanto para Pareira enfiar Viola naquele time. Ele nos deu 15 minutos de irreverente espetáculo. Mais do que nada.
O que eu queria, como no velho cancioneiro, era um samba enfezado, compassado, ritmado, cheio de alegria. Por outro lado, chega de saudade.

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