São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Faca fica longe da mesa do tailandês

HAMILTON MELLÃO JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando os tailandeses dizem Sanuc, eles conseguem sintetizar em uma só palavra, o que o filósofo romano Sêneca demorou pelo menos meia centena de páginas no seu "Da Brevidade da Vida". Ou seja, que a vida é para ser vivida da maneira mais prazeirosa possível, enfrentando as adversidades como mera contingência, para se conseguir a felicidade.
Esta filosofia está implícita no modo Thai de vida e fica totalmente demonstrada quando estudamos a sua cozinha.
A Tailândia é um reino encravado no sudeste asiático, rodeado pelos beligerantes Camboja, Laos, Birmânia e Malásia, sendo que, curiosamente, de lá não se tem notícias de guerras a centenas de anos. Seu grupo étnico é provavelmente originário da China e remonta ao começo da era cristã.
A sua peculiar culinária é dividida em quatro regiões bem definidas. O norte, confinado entre a Birmânia e o Laos, é um lugar montanhoso e acidentado, cujo difícil acesso manteve suas características preservadas de influências externas, possuindo a cozinha mais típica.
O nordeste, vizinho do Camboja, que já foi uma região de densas florestas, hoje é praticamente um deserto devido à ganância de seus governantes, e esta adversidade se reflete nos seus pratos, criados a partir dos elementos encontrados, como gafanhotos fritos, lagartos grelhados. Seguramente é a cozinha mais apimentada de toda a Tailândia, o que não é pouco.
A prosperidade está concentrada nas planícies centrais, onde as terras são fertéis, dominadas por vastas plantações de arroz –principal produto de exportação da Tailândia– fazendo de Bancoc uma das mais importantes cidades do sudeste asiático. A sua cozinha é mais diversificada devido à facilidade de comunicação com outras regiões e influência dos migrantes.
O sul é uma península acidentada, com selvas densas. Sua localização geográfica define a sua culinária pois, fechando o golfo da Tailândia, é riquissima em peixes e frutos do mar.
As refeições são essencialmente comunitárias, pois o comer só representa um elevado lugar na escala tailandesa do infortúnio.
Os pratos, pelo menos sete, são servidos todos ao mesmo tempo, não respeitando a ordem ocidental de entradas, massas e carnes. Uma vez postos na mesa, come-se aleatoriamente, experimentando as sensações do doce, picante, ácido, salgado e do amargo, brincando com o palato, nesta que é uma das mais originais e criativas cozinhas do planeta.
A única regra é nunca usar faca à mesa, instrumento considerado agressivo na cultura Thai; assim a comida já vem cortada de modo a poder ir diretamente à boca. Nas mãos, garfo e colher, por vezes o Hachi (pauzinhos) usado somente para as sopas. Como bebida, um destilado que deixaria os escoceses arrepiados; o forte uísque tailandês, quase um licor, servido com suco de lima e soda. Para os abstêmios, Ban Chá, o chá verde chinês.
O curioso é que o tempero mais usado na culinária –a pimenta malagueta- só chega em 1511, trazida pelos portugueses; assim como o tomate e suas sobremesas baseadas em ovos e açúcar. Os indianos contribuiram com o curry. E as missões protestantes americanas, com as batatas.
Todos estes elementos, ao aportarem na cultura Thai, recebem tratamento próprio, e não é para menos. As especiarias têm um papel preponderante. O hortelã contribui com a sua frescura cítrica; o cardamomo, o aniz estrelado, a curcuma e a canela, com o aromático; o alho, o gengibre, o coentro e o manjericão entram com a sua pungência.
Há um ditado na Tailândia que diz que existem duas estações, a quente e a mais quente. Todas estas especiarias, incluindo a onipresente pimenta, têm como função amenizar o calor, dando também identidade aos ingredientes locais, como carne de búfalo, peixes, crustáceos, legumes, verduras, frutas e arroz.
A base da preparação são os molhos: o nam pla (caldo de peixe fermentado com sal), o leite de coco e o curry tailandês.
Essa cozinha riquíssima, até pouco tempo desconhecida, entrou com força total no circuito gastronômico de Paris, Tóquio e Nova York. E se você continua a achá-la exótica, imagine que em 1648 um enviado do rei Ayutthaya à corte de Luis XIV –então a cozinha exponencial da Europa– achou a comida gaulesa insípida, carregada em carnes e escreveu ao rei que não acreditava como as pessoas conseguiam sobreviver, comendo algo tão ruim.
Para quem não sabe, existe em São Paulo um legítimo representante da culinária tailandesa, o Matsuri, coordenado pelo competente casal Edo e Regina Komori. Se você quiser saber mais, o Centro de Criatividade Doméstica vai promover uma aula em 8 de agosto, onde a dupla promete revelar um pouco desta espetacular cozinha. Sanuk!

RESTAURANTE MATSURI (r. 1º de Março, 43, tel. 275-0323, vila Clementino)
CENTRO DE CRIATIVIDADE DOMÉSTICA (r. Cristiano Viana, 224, tel. 282-9151, Pinheiros)

Texto Anterior: Pequeno cardápio não diminui o Briciola
Próximo Texto: Vinícola Sterling volta à forma aos 30 anos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.