São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 1994
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Uma história exemplar

CL´VIS ROSSI

Clóvis Rossi
SÃO PAULO – Há quem veja na humildade do presidente Itamar Franco uma grande qualidade. O estilo "gente como a gente" é de fato simpático. Mas há também quem ache que tal estilo é mais defeito do que qualidade.
Fora o estilo, de resto discutível, não se conhece nenhuma grande obra do governo Itamar Franco. A única que permanece de pé é o fato de que não se atribuiu a ele, pelo menos até agora, qualquer deslize no território da moralidade pública.
Não se conhecia. A demissão de Osiris de Azevedo Lopes Filho da Receita Federal é uma mancha indelével. Por mais atritos que tenha criado com áreas do governo, vai ficar apenas a impressão do último deles, o caso da vistoria da bagagem da seleção.
Tem-se aí uma história exemplar. De um lado, estava o funcionário público que queria cumprir o seu dever, nem mais nem menos. Nada, aliás, de muito heróico em circunstâncias normais. Mas, no país da "da sonegação consentida e da impunidade seletiva", para citar expressão do editorial de ontem da Folha, um gesto quase revolucionário.
Do outro lado, os que autorizaram a tal de "impunidade seletiva", na obsessão de agradar supostos heróis da pátria de chuteiras e, por esse meio, fazer um afago naquela parcela da sociedade que se conforma apenas com o circo.
Ao tomar partido por estes últimos, Itamar Franco manchou a sua biografia. É claro que o presidente não ganha dinheiro com isso. Mas emite um poderoso e desgraçado sinal: o de que o descaso com o dinheiro público permanece como instituição nacional, mesmo em um governo que diz que seu plano de estabilização está assentado no equilíbrio das contas públicas.
É evidente que o dinheiro a ser eventualmente arrecadado com as taxas alfandegárias sobre as compras da seleção não seria suficiente para zerar o déficit. Mas, nesse tipo de situação, o que conta mesmo é o exemplo.
Deixar escorrer para o ralo US$ 1 milhão emite a mesma e imperdoável sinalização.

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