São Paulo, sábado, 23 de julho de 1994
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Manifestação lembra 1 ano da Candelária

Educadora afirma que há manipulação política do crime

RONI LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

Hoje completa um ano a chacina da Candelária –em que oito meninos de rua foram assassinados, de madrugada, perto da igreja da Candelária (centro do Rio).
Além de ato ecumênico, está prevista para hoje manifestação de ONGs (organizações não-governamentais) e de políticos da Frente Brasil Popular.
A educadora e artista plástica Yvonne Bezerra de Mello, que trabalha com meninos e meninas de rua, havia programado uma vigília no local para ontem à noite.
Hoje, não pretende participar dos atos. Ela critica o que chama de manipulação política do crime.
"A omissão continua. A morte deles vai virar palanque político, mas ninguém chega nem perto de uma criança dessas."
Segundo Yvonne, dos cerca 62 sobreviventes que andavam pela Candelária, metade continua nas ruas –o restante foi absorvido por projetos que cuidam de crianças.
Autora do livro "As Ovelhas Desgarradas e seus Algozes" (Editora Civilização Brasileira), que conta a saga dessa "geração perdida nas ruas", ela não crê na punição dos responsáveis pela chacina.
Quatro pessoas estão presas, acusadas de participar da chacina. Três são PMs e um é serralheiro. Apenas o tenente Marcelo Cortes deverá ir a júri popular até dezembro.
O promotor José Muiños Piñeiro Filho, 37, disse ontem ter informações de que, em princípio, apenas o tenente não recorrerá ao Tribunal de Justiça da sentença judicial de primeira instância.
Em 28 de junho passado, a juíza do 2º Tribunal do Júri, Maria Lúcia Capiberibe, decidiu que os quatro acusados vão a júri popular. Piñeiro disse que três deverão entrar com recurso contra a decisão.
O prazo para recorrer termina na próxima terça-feira. Se forem confirmados, desembargadores do TJ analisarão recursos dos três.
Neste caso, Piñeiro disse que levará pelo menos mais um ano até que desembargadores confirmem ou não a sentença da juíza de mandar os acusados a júri popular.
Piñeiro e o promotor Maurício Assayag, 35, se preparam para denunciar à Justiça mais quatro ou cinco pessoas, também acusadas de participar da chacina.
"No mínimo oito pessoas tiveram participação na chacina", disse Piñeiro. Ele não quis revelar os nomes dos futuros denunciados.
A denúncia será baseada em novas investigações policiais.
Em maio, foi aberto inquérito policial para investigar o caso da apreensão, no interior do Estado do Rio, de uma arma utilizada na chacina.
A arma foi encontrada com o soldado da PM Arlindo Lisboa Afonso Júnior, que deverá ser um dos novos denunciados. Exame pericial constatou que ela foi utilizada na chacina.
Além do tenente Cortes, aguardam julgamento os soldados Marcos Vinicius Emmanuel e Cláudio Andrade dos Santos e o serralheiro Jurandir Gomes de França.
Chacina
Chacina da Candelária é como ficou conhecido o assassinato de oito meninos de rua ocorrido na madrugada do dia 23 de julho do ano passado.
Cerca de 50 meninos dormiam sob a marquise de um prédio na praça Pio 10, a 50 metros da igreja da Candelária, quando à 0h30 foram vítimas de disparos de quatro ou cinco homens encapuzados.
Mais de 40 sobreviventes disseram que eram ameaçados de morte por PMs.
Segundo os meninos interrogados pela polícia, policiais militares do 5º Batalhão fizeram ameaças porque no dia anterior um dos menores apedrejara um Opala da corporação.
No mesmo dia da chacina, à noite, a Polícia Civil identificou três soldados da PM como suspeitos.
Eles haviam sido apontados pelos menores em fichas com retratos de policiais.
O episódio teve repercussão internacional. No Brasil, entidades de defesa da criança, parlamentares, artistas e organizações protestaram contra o massacre.
Um ano e sete meses antes, relatório da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Menor havia divulgado uma relação de 77 pessoas envolvidas em extermínio de crianças e adolescentes no Estado do Rio. Doze dos nomes eram de policiais militares.

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