São Paulo, sábado, 23 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A globalização do terrorismo

BORIS FAUSTO

Vivemos em um mundo globalizado. No plano financeiro, o aumento da taxa de juros, determinado pelo Federal Reserve, derruba cotações das bolsas de todo o mundo. No plano esportivo, nossos jogadores de futebol já não tremem nos campos do exterior –noção que perdeu sentido para jogadores espalhados pela Europa.
Lamentavelmente, a globalização se expressa também nas ações terroristas que atravessaram o Atlântico, como revelam as explosões no World Trade Center e os dois atentados na Argentina, com um intervalo de pouco mais de dois anos.
Por sua natureza, atos de terror não são esclarecidos de imediato, se é que algum dia o são. Ficamos no terreno das hipóteses, mas há hipóteses mais ou menos consistentes.
Tudo indica que a explosão de Buenos Aires é obra de um grupo fundamentalista islâmico, qualquer que seja seu rótulo. O mais grave nesses atos contemporâneos de terrorismo é que eles não se originam de ações individuais de desesperados, como acontecia com o velho anarquismo, mas são um horrendo instrumento de luta política, contando com as bençãos de alguns Estados do Oriente Médio.
Mas por que a Argentina seria alvo preferencial dos ataques? O fato de Buenos Aires concentrar a maior colônia judaica da América Latina é uma explicação insuficiente.
Tudo indica que a Argentina é um campo propício para ações terroristas antijudaicas, à medida que, desde os anos 30, existem no país grupos organizados anti-semitas e nazistas. Se levarmos em conta a importância do apoio logístico interno para o êxito dos atentados, estaremos próximos de fechar o círculo.
Por outro lado, o crime desta semana seria indício do alastramento da intolerância racial na América Latina? Tomado o episódio isoladamente, penso que não.
As causas do atentado não estão em nosso continente, mas sim no Oriente Médio. É evidente seu propósito de literalmente dinamitar a paz que vem sendo construída, com muitas dificuldades, pelo governo israelense e a OLP (Organização pela Libertação da Palestina).
Mas atentados como esse podem provocar tensão entre colônias e potenciar desentendimentos. Por ora, no caso brasileiro, deixando de lado a discriminação do negro, com profundas raízes sociais, o preconceito se revela em grupos marginais, em São Paulo, e entre os delirantes separatistas gaúchos.
As diferentes etnias que compuseram a imigração em massa para o Brasil, a partir de fins do século 19, nunca foram alvo de uma discriminação sistemática e se tornaram parte constitutiva da nação.
De qualquer forma, é preciso ficar atento aos menores sintomas de recrudescimento da intolerância étnica ou religiosa, em um mundo em que esta praga está germinando com força.

Texto Anterior: Buenos Aires, Carandiru e Chiapas
Próximo Texto: O perigo permanente
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.