São Paulo, sábado, 23 de julho de 1994
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O perigo permanente

VAMIREH CHACON

Os intelectuais da periferia que se convencionou chamar de Terceiro e outros Mundos tendem a mimetizar demais, costumam esquecer o que passa por dentro, que é o mais forte.
A Espanha e a Bélgica não vão se fragmentar porque a União Soviética e a Iugoslávia implodiram, os belgas e espanhóis há muito tomaram providências várias, só que nós não sabemos e vivemos vendo reações em cadeia ou efeito dominó onde nem sempre existem.
Cada caso é um caso. Os preconceitos costumam ser subprodutos dos preconceitos.
O vil atentado contra uma associação israelita em Buenos Aires não significa nenhum alastramento de anti-semitismo novo, já há algum tempo andaram pichando túmulos em cemitérios judaicos argentinos e não era a primeira vez. Não são o neoliberalismo e o marxismo-leninismo em crise causadores únicos, sequer principais, disso ou daquilo.
No caso brasileiro, até latino-americano, temos a tendência de querer transferir os nossos problemas às raízes reais ou hipotéticas alheias. Os culpados do passado são os espanhóis e os portugueses (inquisições, colonialismo etc. etc.), a culpa de hoje estaria nos Estados Unidos imperialistas etc...
Claro que no suposto diálogo entre a panela de ferro e a de barro, quebra-se a de barro, mas vamos devagar, mesmo que haja palestino terrorista por trás do recente atentado em Buenos Aires. Este é agravante exógeno somado a fatores negativos endógenos não de todo superados até hoje lá e cá, embora talvez mais lá do que cá.
A democracia étnica de Gilberto Freyre era meta e vocação, ideologia e mito no sentido de Karl Mannheim, nunca, porém, uma predestinação brasileira ou de ninguém. Mito dinâmico no sentido de Sérgio Buarque de Holanda.
O anti-semitismo também existe na América Latina no bojo da cultura cristã do preconceito de que os judeus mataram Cristo, mesmo sem os extremos da Igreja Bizantina e do stalinismo na Europa do Leste.
Conseguimos diluir pela miscigenação étnica pelo menos a herança inquisitorial, um pouco que, somado a outros, vai se tornando muito, mesmo lentamente. Mas não fico por aí.
Imigrantes alemães e árabes ainda não se diluíram de todo na massa ibero-afro-índia, muito menos na Argentina, mesmo em alguns lugares do centro-sul do Brasil.
Isto somado ao velho anti-semitismo religioso antigo, folclorizado, fornece uma sobrevida ao novo, recente. Juntos ficam ali, semi-adormecidos, mas prontos a virem à tona, suficiente quem os convoque não só de fora, também por dentro.
Não precisarão necessariamente de crise econômica, embora evidentemente ela possa ajudá-los. Quem vier de fora, vai encontrá-los disponíveis, prontos para tudo.
Deve-se combater o preconceito, este e outros em si, para evitar ou diminuir a maligna potencialidade do preconceito, se se esperar a crise para enfrentá-lo, pode ser tarde demais.
Aquelas gerações de ibéricos e de eslavos, não todas, é claro, deixaram de atingir os extremos do Holocausto pelos nazistas só porque não tinham recursos tecnológicos para tanto. Quem não tiver culpa, lance a primeira pedra.

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