São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Tribo busca 'jovem procriador', diz revista

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

Na sua edição de junho, a revista francesa "Actuel" anunciou um "empreguinho simpático", segundo suas próprias palavras: casar com uma adolescente de uma tribo em extinção no Brasil.
Segundo a reportagem "Tribo procura guerreiro", os sete últimos índios jumas queriam um caçador/guerreiro jovem para evitar o seu fim, seja pela fome ou pela falta de crianças.
Os jumas -dois casais idosos e três meninas– vivem no Amazonas e não falam português. O último guerreiro-caçador em condições de ser pai, Karé, foi morto por uma onça em dezembro de 91.
Depois da oferta do "bico", a "Actuel" deu um telefone e um nome para contato. O telefone era da Funai, em Brasília (Fundação Nacional do Índio). O contato era Adolpho Kilian Kesselring, indigenista da instituição.
"Procurei divulgar um desejo dos índios e tentei expandir a etnia", diz Kilian, que trabalhou com os jumas por 15 anos. O indigenista, no entanto, diz que a revista "deturpou" a história.
"Disse que os índios aceitariam um branco, pois estavam ansiosos por um jovem que conseguisse comida e que pudesse casar com uma das meninas", explica Kilian. Ele não conseguiu explicar se foi procurado ou procurou a revista.
"Daqui não saiu nada disso", diz Sidney Possuelo, ex-presidente da Funai e atual chefe da Coordenadoria de Índios Isolados.
Depois de tomar conhecimento da reportagem da "Actuel", a Funai diz que vai "pedir explicações" a Kilian. Possuelo diz que soube de reportagens do mesmo tipo em publicações dos EUA.
Segundo a assessoria de imprensa da Funai, chegaram várias cartas e faxes de homens que leram as reportagens e manifestavam interesse em viver com os jumas.
Os candidatos
Dois estudantes da Oklahoma City University, Andrew Garrett, 18, estudante de biologia e Chris Mills, enviaram um fax bem intencionado para a Funai.
"Estamos muitíssimo preocupados com a situação dos índios", escreveram os dois colegas de quarto na universidade.
Segundo Garrett, casar com uma juma e viver entre eles são "chances únicas na vida de deixar uma marca positiva no mundo".
"Aprenderíamos com os líderes das tribos da floresta tropical e levaríamos os conhecimentos para a sociedade moderna", escreveram.
Os dois se diziam capacitados física e mentalmente para a "tarefa" e que não "tentariam impor suas crenças aos jumas". "Nunca pensei que teria uma chance de ajudar uma outra cultura tão diretamente", escreveu Garrett.
"Irresponsável"
Segundo Possuelo e o administrador regional da Funai em Manaus, Raimundo Cerejo, há uma frente de contato com os jumas, próximo ao rio Purus, 1.100 km distante de Manaus.
"Enviamos algum apoio, rádio e barcos, pois a situação deles é muito difícil", diz Possuelo. "Conseguimos apoio dos índios uru-eu-waw-waw para entrar em contato e dar assistência aos juma" conta Cerejo (leia texto abaixo). Os uru-eu-waw-waw são etnicamente próximos dos jumas e compreendem sua língua.
Cerejo diz que "Kilian colocou essas reportagens de maneira irresponsável na imprensa lá de fora. Deu informações discutíveis".
Segundo Cerejo, Kilian disse a jornais brasileiros que os jumas teriam se tornado esteréis por causa das folhas de banana-brava que amarram no pênis e que as adolescentes da tribo seriam filhas de castanheiros ou seringueiros da região com mulheres jumas.
"Se o costume de amarrar a folha no pênis causasse esterilidade todos os índios cawahibs ("família" dos jumas) seriam incapazes de procriar", explica Rieli Franciscato, que substituiu Kilian na chefia do contato com o grupo.

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