São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Estatuto da OAB

OCTAVIO BUENO MAGANO

"A vaincre sans peril on triomphe sans gloire."
(Corneille)

Em excelente editorial da Folha, do dia 14 último apontou-se, muito oportunamente, a malignidade do corporativismo, tendente ao favorecimento de determinados segmentos sociais.
Realmente, numa democracia pluralista, como deveria ser a nossa, por força do disposto no artigo 1º da Lei Magna, cumpriria a cada grupo social buscar a melhoria das condições de atuação, dos membros respectivos através de conquistas, obtidas por esforço próprio, pelo processo das negociações coletivas.
É deplorável que procurem fazê-lo através de empenho ou escambo político, forçando o Estado a assumir, em relação a determinadas categorias profissionais, sejam classistas da Justiça do Trabalho, ou estivadores da orla marítima, ou jornalistas, ou advogados, atitudes paternalistas, geradoras de privilégios e benesses, mas moralmente censuráveis e economicamente indesejáveis.
A classe ultimamente aquinhoada com o apontado tipo de paternalismo foi a dos advogados, com a promulgação da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.
Muitos de seus preceitos tresandam à jactância como, por exemplo, aquilo de poder o advogado ingressar nas salas de sessões dos tribunais, "mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados."
Vem logo à tona, a propósito desse texto, a advertência de Guimarães Rosa. "O que assenta justo é cada um fugir do bem que não se pertence. Parar o bom longe do ruim, o são longe do doente, o vivo longe do morto, o frio longe do quente" e –acrescentaríamos nós– o advogado longe do juiz. (Grandes Sertões Veredas).
Mas, além do traço genérico de ufania, acima assinalado, há, na nova lei, tópicos específicos merecedores de crítica. Consideraremos apenas três.
Estabelecer, por lei, jornada de quatro horas, com adicional noturno, a partir das 20h, e adicional de horas extraordinárias nunca inferior a 100%, traduz-se, sem dúvida, em privilégio exagerado, sobretudo considerando-se a grande quantidade de trabalhadores sem Carteira Profissional, inseridos em enorme mercado informal de trabalho e que cumprem, muitas vezes, jornadas superiores a dez horas.
Mas o pior é que o privilégio se traduz igualmente em pesados ônus para as empresas públicas e privadas, num país em que os encargos sociais são os mais pesados do mundo (v. José Pastore, Folha de 5.7.94).
É verdade que a jornada reduzida em causa não se aplica na hipótese de dedicação exclusiva do advogado a um determinado empregador. Nos demais casos, porém, que parecem ser os mais frequentes, será ela de rigor, o que –repita-se– constitui fruto de injustificável paternalismo estatal.
Quanto à questão de sucumbência, o que parece criticável não é propriamente atribuírem-se aos advogados os honorários respectivos e sim a ressalva de ser "nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva" que lhes retire o direito ao recebimento dos mesmos honorários.
Esse tipo de paternalismo além de hiperbólico, revela-se também inconstitucional, porque se o artigo 7º, 6º, da Lei Magna permite que, através de convenção e acordo coletivo se reduzam até salários, quanto mais outras condições de menor significação.
Por último, é mister considerar-se a prerrogativa atribuída ao advogado de sustentar oralmente qualquer recurso ou processo, após o voto do relator. Essa inovação constitui clara subversão da ordem processual, composta tradicionalmente de três fases: a postulatória, a instrutória, que se encerra com a sustentação; e a decisória.
É indubitável que o processo deva ser dialético, mas a discussão há de se travar entre as partes e não entre estas e o juiz relator, nos órgãos colegiados.
Seguida à risca a inovação, nos processos desenrolados perante as Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho, os advogados deverão falar após haver o presidente da Junta, que funciona como relator, haver proposto aos vogais a solução do litígio, o que não deixa de causar estranheza.

Texto Anterior: Casos se multiplicam nos EUA
Próximo Texto: Equilíbrio entre julgar e punir
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.