São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Equilíbrio entre julgar e punir

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Existe, na atualidade e no mundo civilizado, uma ânsia de combate a todas as formas de criminalidade. A ansiedade punitiva é atual porque os meios de comunicação social tornaram conhecíveis os delitos, desde os mais simples até os mais hediondos, aconteçam onde acontecerem. Nos anos 50 isso não acontecia. O conhecimento da criminalidade era quase municipal.
A informação instantânea foi o grande motor da reação contra o crime, que limitei aos tempos de hoje e ao mundo civilizado. Assim é. Pouco importa o regime político. Pouco importa a religião dominante. Pouco importam as condições sociais. Na velha Europa, nos jovens países das Américas, nas ex-nações comunistas e nas que ainda adotam o regime, as populações são tomadas pelo mesmo desejo de que o crime seja combatido. A todo custo. Trata-se de um sentimento coletivo supranacional.
A reação tem um lado extremamente positivo –o de reverter os índices da criminalidade crescente– mas também pode ser perigosa, pois, no passado, muitas ditaduras se instalaram sobre a base de suposta luta conta o enfraquecimento moral do povo. Isso tem acontecido quando a vontade de punir exorbita e predomina sobre a vontade de julgar.
Creio que foi Lupicínio Rodrigues quem ensinou a lição certa: primeiro é preciso julgar, para depois condenar. Ou seja, primeiro é necessário obedecer com rigor o devido processo legal, para, ao fim, encontrado o delinquente, aplicar-lhe a punição prevista na lei e fazer com que ele a cumpra. Sem exceções.
Interrompo a linha de raciocínio para duas anotações relevantes: o problema do direito penal e do direito processual penal brasileiro não está no agravamento das penas e na urgência de sua aplicação. Está mais na impunidade. Há um excesso de crimes impunes. Não porque a lei seja complicada, mas porque o organismo estatal encarregado de apurar delitos e punir delinquentes funciona mal. A segunda anotação é a de que isso também acontece em países do Primeiro Mundo. Na Inglaterra menos de 5% de todos os crimes cometidos resultam em cadeia.
Quando o impulso punitivo predomina sobre o de julgar, há uma espécie de linchamento. O devido processo é a garantia do inocente. Há mais de um século, o grande jurista Rudolf Von Ihering disse que a forma dos atos previne o arbítrio. No processo são cumpridos certos ritos –inconvenientes e injustos quando excessivos– nos quais se procura resguardar a inocência. Assegura-se a defesa. Até porque nada há de pior para a sociedade do que condenar o inocente.
Todavia, a lentidão dos procedimentos judiciais terminou provocando o linchamento moral, sem julgamento, pela divulgação jornalística. No Brasil o artigo do código de processo penal que sujeita as investigações do inquérito policial ao sigilo é vergonhosamente desrespeitado. Considerando que a excepcionalidade, lícita ou ilícita, tem muito mais "sabor jornalístico", a normalidade fica excluída do noticiário, contribuindo para que a distorção prossiga.
Tenho insistido na necessidade do equilíbrio entre as duas posições, a do punir severamente e a de julgar na forma da lei. Uma não exclui a outra. Nem sempre é fácil de compreender a importância do equilíbrio, sobretudo diante da corrupção intensíssima e da violência das ruas. Mas, no curso da vida, é a melhor solução para a paz social.

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