São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Adaptação atinge empresas, escolas e motéis

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde o início do ano, o quibe servido às quintas-feiras na escola Naama, na zona sul de São Paulo, está sendo preparado pelas próprias crianças.
Especialistas europeus ficaram encantados e vieram saber o que estava acontecendo.
É que os pequenos cozinheiros são todos autistas, muitos deles incapazes de ser alfabetizados. A idéia da cozinha e das receitas –aprendidas com símbolos e referências– nasceu no Núcleo de Aprendizado da Associação de Amigos do Autista.
Muita coisa está mudando na vida dos mais de 15 milhões de deficientes, excluídos e discriminados do país. Quase todas as conquistas se devem a iniciativas e esforços de grupos da sociedade civil, que cansados de esperar por ações do Estado resolveram agir.
Hoje, motéis já se adaptam para receber paraplégicos, cegos participam de campeonatos de futebol com bolas que fazem barulho, autistas aprendem a escrever e novas tecnologias facilitam a reintegração dos excluídos.
Uma rede nacional de comunicação criada pela Universidade de São Paulo será acessada por deficientes através do computador.
O Metrô de São Paulo prepara a volta de Marco Antonio Ferreira Pellegrino, um funcionário com tetraplegia severa que vai dirigir um computador com a voz. Será o primeiro deficiente da empresa a ter uma sala totalmente adaptada.
Na área legal, o novo Código de Obras de São Paulo que está na Câmara Municipal exige facilidades de acesso para deficientes físicos em todos os locais públicos.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas está revisando o capítulo que trata da adequação do mobiliário urbano. Dezenas de entidades foram ouvidas. Assim que a revisão for aprovada, em agosto, as cidades não poderão mais ignorar os portadores de deficiência.
Também as vítimas de outras doenças estão podendo viver melhor. "Antes a medicina se preocupava em manter a pessoa viva. Hoje se preocupa também com a qualidade de vida", diz Paulo Eduardo Elias, médico do Departamento de Medicina Preventiva da USP.
Graças a isso, vítimas de cardiopatias e do Mal de Parkinson, por exemplo, estão podendo retomar suas atividades. Muitos medicamentos são mais eficazes, necessitam de doses menos frequentes e provocam menos efeitos colaterais.
Por trás desses avanços também estaria a pressão de grupos organizados, muitos deles nascidos com o advento da Aids. "É o que chamamos de efeito positivo da doença", diz a médica Ana Carolina Isler Ferreira, diretora de prevenção do CRT-Aids, Centro de Referência e Treinamento de São Paulo.
"Uma das consequências mais importantes da Aids foi a consciência dos direitos do cidadão", afirma. Passou-se a cobrar de governo e empresas os direitos da pessoa, independentemente do fato de ter ou não o HIV.
Foi na esteira do movimento gay contra a discriminação dos doentes que saíram às ruas grupos marginalizados como as prostitutas e os travestis.
Foi também a Aids –e seu alto custo hospitalar– que forçou o conceito de hospital-dia e do atendimento domiciliar. "Ao passar parte do dia com a família, o paciente vive melhor e custa menos", diz Ana Carolina.

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