São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Testemunhas falam da guerra de 1924

JOÃO MARCOS CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Jornalista, professor e atual secretário de Cultura de Carapicuíba, na grande São Paulo, Miguel Costa Júnior –filho do chefe revolucionário da Força Pública, em 1924, o então major Miguel Costa– viveu os dramas familiares que uma revolução é capaz de produzir.
Com seus pais separados, Miguelzinho (como é chamado até hoje pelos amigos), foi criado pelo seu tio Daniel, também oficial de polícia e que servia na mesma unidade que o irmão: o Regimento de Cavalaria.
"No dia 4 de julho, meu pai, que era major fiscal do regimento, encarregou meu tio, capitão Daniel Costa, de fazer o pagamento das unidades de Santos. Meu tio não gostou, já que havia uma grande manobra marcada para o dia seguinte. Meu pai argumentou que o pagamento teria que ser feito imediatamente, já que os milicianos daquelas unidades tinham compromissos financeiros inadiáveis. Meu tio concordou", relata Miguelzinho.
Na manhã do dia seguinte, Daniel, levando Miguelzinho, que por ordem do pai também deveria acompanhá-lo a Santos, embarcou no bonde Santana-Estação da Luz, onde deveria pegar o trem que o deixaria em Santos. "Ao passar pela avenida Tiradentes, vimos trincheiras escavadas nas ruas e alguns mortos. Percebendo que havia algo de errado, meu tio mandou-me de volta e apresentou-se no Quartel General."
A verdade é que o major Miguel Costa sabia que o irmão jamais seria um revolucionário, por isso tratou de despachá-lo para Santos. Sabia que, se viesse a tombar na luta, seu filho ficaria sob a guarda de Daniel. No QG, Daniel foi saber que o irmão era um dos comandantes revolucionários. Mesmo dizendo-se legalista, não recebeu posto de comando. Mais tarde, ficou preso durante 1 ano e 7 meses, suspeito de estar envolvido no Movimento.
"De volta para casa, assisti ao bombardeio de São Paulo do alto do Chora Menino. À noite, a cidade parecia um bolo de aniversário, com sua velinhas, tal era a quantidade de incêndios. Quando os bombardeios terminaram, não conseguíamos dormir. O silêncio era terrível. Havíamos nos acostumado com o barulho dos canhões."
Com a internação da Coluna na Bolívia, em 1927, Miguelzinho foi morar com o pai em Buenos Aires. Aos 19 anos tornou-se o decodificador das mensagens dos conspiradores da Revolução de 1930. Na capital argentina, dividiu seu quarto com ninguém menos que Luis Carlos Prestes.
Pelada e revolução
Vitor Nicolau Montanaro tem 84 anos e foi lateral esquerdo do Palestra Itália, num tempo em que o capotão da bola ainda era amarrado com barbante. Contemporâneo de Arakem Patuska e Feitiço, na Seleção Paulista de 1929, ficou conhecido nos meios esportivos pelo apelido de Tchê. Na várzea, jogou futebol até os 70 anos, passando por todos os grandes clubes amadores da capital.
Em julho de 1924, tinha 14 anos quando testemunhou, nas ruas do Bom Retiro, a revolução que ensanguentou São Paulo. "Eu ia jogar uma pelada num campinho que ficava onde é hoje a Estação Júlio Prestes, quando vi um bando de moleques correndo em sentido contrário. Pensei que tinham apanhado do adversário, mas quando vi trincheiras nas ruas e um monte de soldados de fuzil na mão, percebi que alguma coisa muito séria estava acontecendo", conta. "Quando voltei para casa, minha família estava apavorada. Falavam que um tal de Isidoro queria matar o governador. Mas ninguém sabia quem era esse Isidoro."
Nos dias que se seguiram, Tchê conta que a família teve que fugir para escapar dos bombardeios. "Meu pessoal foi para o alto de Santana, que era o lugar mais seguro. Mas antes eu vi muita bomba cair no Bom Retiro. Muita gente morreu. Minha família não passou fome porque levamos o que comer. Mas teve gente que saqueou mercado."

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