São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Reação sadia

Em meio a todo o deprimente escândalo da superbagagem da seleção tetracampeã, não deixa de ser animador constatar a existência de importante aspecto positivo: a madura reação da população. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, nada menos do que 75% dos paulistanos consideram que o governo errou ao liberar a bagagem da seleção e 79% defendem que os membros da comitiva deveriam agora se oferecer para pagar os impostos devidos.
Por mais lamentavelmente improvável que possa ser esta última sugestão, os números acima são inequívocos ao revelar que a sociedade está saturada das tradições nacionais da impunidade e da desigualdade de tratamento em face da lei. Afinal, foi exatamente isso que ocorreu no caso da seleção, com a deplorável intervenção do Planalto eximindo-os da vistoria e do pagamento de taxas que seriam de praxe para todo o restante da população. Isso, note-se, mesmo depois que havia sido fartamente noticiada a prodigalidade das compras de membros da delegação nos EUA.
Há estimativas quanto ao prejuízo para os cofres públicos provocado pela liberação irregular da bagagem, mas seu efeito simbólico é incomparavelmente maior. A delegação infelizmente maculou as celebrações do tetra ao corporificar aquela casta acostumada a privilégios e benesses oficiais –alguns jogadores e dirigentes chegaram mesmo ao absurdo de protestar contra a possibilidade de serem vistoriados como brasileiros comuns–, enquanto o governo ilustrou de forma escancarada que nem todos são iguais perante a lei.
Nesse sentido, a firme condenação à irregularidade merece ser saudada como um primeiro passo na luta para superar tais desvios e aberrações. É evidente que hábitos tão antigos e arraigados não serão alterados do dia para a noite. Mas é apenas por meio da pressão permanente da população –ou seja, do eleitorado– que o país poderá começar a livrar-se de pelo menos algumas das amarras que o prendem ao subdesenvolvimento.

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