São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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Futebol busca o maior mercado do mundo

MANUEL VAZQUEZ MONTALBAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Campeonato Mundial de futebol de 1994 passará para a história como uma gigantesca operação publicitária para se conseguir um novo mercado.
Afinal, entre os territórios virgens, que ainda aguardam a chegadada indústria e comércio do futebol, os Estados Unidos são o país mais interessante.
Nos anos trinta, já se tentava convencer os norte-americanos de que chutar uma bola para levá-la adiante era tão poético quanto dar-lhe uma paulada com um bastão para, logo depois, sair correndo.
Mas os americanos continuaram viciados em beisebol, rugby e em basquete.
Pior. À maioria dos americanos, o futebol parece um jogo pouco civilizado, violento, que origina baderna entre os seus torcedores e admiradores.
Em relação à violência, aliás, a consciência social norte-americana parece ter chegou à esquizofrenia: nos estádios lotados, nada de errado pode acontecer, mas em alguns supermercados cheios de latas de cerveja, de vez em quando algum franco-atirador bate o recorde de assassinatos.
A Copa do Mundo dos EUA criou uma expectativa entre as minorias étnicas que têm o futebol em sua memória cultural, mas seguiu na indiferença para todos os que se consideram "americanos".
Apesar disso, a boa atuação da equipe nacional dos EUA fez com que alguns cidadãos descobrissem o futebol como uma possibilidade de satisfazer seu patriotismo, assim como o McDonald's.
As grandes multinacionais que financiaram o Mundial esperam que surja, por fim, uma liga norte-americana de futebol e a Fifa já fez suas contas astronômicas do quanto arrecadaria nos EUA se lá houvesse um campeonato estável.
O jogo desenvolvido na Copa foi o de menos, assim como a evidente crise de novos talentos e jogadores carismáticos, se sairmos do estreito círculo de Baggio, Romário, Stoichkov e Hagi.
O que se pretendeu foi reforçar o caráter de espetáculo deste esporte, facilitando o trabalho dos "triunfadores" frente ao jogo dos "destruidores".
Maradona foi usado como um mito do futebol e, logo depois, como um demônio, sobre o qual caiu o peso do puritanismo ético de um esporte que crê em Deus, na família e na propriedade privada.
Apenas o caso Escobar e a confusa relação entre a seleção da Colômbia e as máfias de todas as espécies que adornam a sociedade colombiana estiveram a ponto de reforçar o pré-julgamento moral negativo do espectador americano.
Mas a exceção confirma a regra. Maradona foi castigado, o assassino de Escobar detido e se puniu o zagueiro italiano Tassotti pela cotovelada que deu no atacante espanhol Luis Enrique.
Afinal, é difícil explicar-lhes que boa parte do prazer no futebol vem da relação sadomasoquista entre público e jogadores, árbitros e dirigentes.
Também é prematuro mostrar-lhes o prazer dos deuses que tanto os torcedores como os jogadores sentem quanto se quebra a perna de um adversário, pois logo sentiriam pena dele, ainda que o futebol nunca tenha sido uma escola de assassinos armados como o hóquei sobre o gelo.
A platéia americana assistiu somente à parte mais civilizada e cortês do futebol, mais adiante, quando já se tiverem metido num negócio universal, chegará o momento de lhes dizer a verdade: que Maradona tinha quase permissão oficial para se drogar, que o desejo de matar um jogador que erra não é só colombiano, que os cotovelos têm tanta importância quanto os pés e que quando um jogador de fama internacional passar por um clube espanhol sempre xingará o juiz de "hijo de puta", em bom castelhano.
Tempo ao tempo. Não esqueçamos que os EUA continuam sendo um país jovem.

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