São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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Os católicos e a atualidade

Entre os desejos ou a consciência moral de alguns indivíduos ou instituições e a realidade reina, muitas vezes, um profundo abismo. É até natural. Quem está contente com o mundo como ele é? Quem já não imaginou duas ou três coisas que mudariam o planeta para melhor?
O problema se dá quando a confiança no que deveria ser é tamanha que a própria realidade passa a ser obnubilada pelo desejo. Parece ser esta a situação por que passa a Igreja Católica no Brasil hoje.
É evidente que a Igreja tem direito de determinar a seus fiéis, dentro dos limites da lei, a regra que bem entender. É igualmente óbvio que as pessoas são livres para pertencer ou não a qualquer Igreja.
Ainda assim, nota-se um profundo divórcio entre as determinações de Roma e a prática, a vida cotidiana, daqueles que se declaram católicos, mesmo os praticantes. Pesquisa Datafolha realizada no mês passado sob o patrocínio da Comissão de Cidadania e Reprodução e publicada no último domingo mostra de forma cristalina essa situação.
Das 2.074 pessoas ouvidas em São Paulo, Porto Alegre, Recife e Brasília, 88% disseram que não seguem a orientação de padres ou pastores em questões como controle de natalidade e aborto. Apenas 7% disseram seguir o conselho dos sacerdotes. Entre os que se declaram católicos praticantes, esse número sobe para 11%; ainda assim, 81% dos que se dizem fiéis ignoram as opiniões dos religiosos.
Tamanho afastamento entre as resoluções da Sé e as práticas da população evidencia, em primeiro lugar –e isto é bom–, que a população brasileira não é, em absoluto, fundamentalista. Em segundo lugar, fica claro que os esforços da Igreja contra a campanha do governo pelo uso de camisinhas não lograram resultados (apenas 1% ouve os sacerdotes sobre esse tema).
Pode estar aí também uma explicação para o crescimento do número de fiéis de outros credos, em detrimento da Igreja Católica. Afinal, se o catolicismo repousa em grande medida sobre a tradição, é preciso também saber de alguma maneira acompanhar os novos tempos, sob pena de acabar vendo sua influência reduzida a cada dia.

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