São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 1994
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A história de um desastre

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Resumindo a crise: Lula foi vítima do "furor interino" de José Paulo Bisol. Sem medir as consequências eleitorais, o senador agarrou-se desesperadamente ao sonho de virar presidente –mesmo que interino. Será dificílimo consertar o estrago.
Esse comportamento sempre foi denunciado pelo PT. No Brasil, virou rotina os homens "públicos" usufruirem ou disputarem cargos como se tomados por um súbito furor uterino. Daí a força do discurso pela ética, administrado com habilidade por Lula.
O PT conseguiu vender a imagem em amplos setores de que seria "diferente"; não teria os vícios dos demais partidos. Ou seja, não pretendia servir-se do Estado. Mas servi-lo. Por isso, resolveu bater em Fernando Henrique Cardoso, escolhendo a aliança com o PFL, símbolo da ninfomania fisiológica, como alvo prefencial da pancadaria. Lá, o candidato a interino, Guilherme Palmeira, está às voltas com incômodas revelações.
Mas o caso Bisol arranhou a imagem tão arduamente cultivada. O partido passou, agora, a imagem de que, afinal, não é tão diferente assim. A verdade é que Lula fez concessões, aceitando o que era legal, mas imoral.
Lula também é vítima de si próprio. A crise foi mal-administrada. Desde o início, companheiros de Lula como Roberto Freire, José Genoino e Paulo Delgado, todos com experiência parlamentar, viram o óbvio. O caso só tendia a se complicar: a renúncia deveria ser imediata. Haveria desgaste, mas bem menor.
A agonia se arrastou. Gente influente do partido como Luiz Eduardo Greenhalg ameaçou com dossiês sobre vida familiar contra Fernando Henrique Cardoso caso não parasse o bombardeio.
Diante da indecisão, Bisol expandiu seu "furor", passando a ver inimigos por todos os lados, articulados pela imprensa num plano diabólico. Tivesse ele saído de início, o partido poderia dizer: houve um erro, mas foi remediado rapidamente.
A sensação generalizada, agora, é de que, não fossem o escândalo e as sucessivas descobertas da imprensa, tudo acabaria em pizza.
O PT desenvolveu know-how para abater adversários com denúncias de comportamentos imorais ou irregulares, mas não se preparou para o dia em que o estilingue virasse vidraça.

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