São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Sem peito não tem jeito

RICARDO SEMLER

Parecia ser problema de lei. Mas comprovou-se que é problema de tórax. Quem no governo tem peito suficiente para encarar o clube dos empresários brasileiros? Ninguém, e por isso tudo ficará em jogo de cena, como sempre foi. Refiro-me ao Makro, Cade e estrepolias variadas.
Assim que foi aprovada a nova legislação antitruste, coordenada pelo Fábio Feldmann, a gritaria surda foi geral. Absurdo, intervenção do Estado e baboseiras parecidas partiam dos grandes empresários, através das pequenas bocas que os representam. Por baixo, é claro. Oficialmente, posturas como a do Delfim, maior intervencionista da nossa história, escrevendo artigos a favor da abertura total. Afinal, o empresário está à procura de um tal de liberalismo que, pelo jeito, significa deixar o mercado fazer tudo, mesmo que este tudo inclua diversificadas sacanagens. Que, aliás, se justificam, já que nenhum dos financiamentos obscuros e ilegais de políticos, em troca de interesses, foi ou será punido.
Começa-se a usar o exemplo do Japão como sucesso do livre mercado. Argumento de analfabeto econômico, já que poucas sociedades são tão intervencionistas como as orientais. No Japão, o todo-poderoso Miti (Ministério da Indústria e Comércio Internacional) se acerta com os ministérios, e não sai um centavo de empréstimo de longo prazo para indústrias que não estejam nos planos deste centralizado Kremlin econômico. Não se abre sequer uma lojinha no centro de Tóquio sem o "de acordo" da associação dos lojistas.
Aqui, a selvageria capitalista é total. Seja pelo acerto entre concorrentes, pela fixação, por setores inteiros, de preços parecidos, ou pela fusão de empresas com o intuito de fechar o mercado. Ou por acaso alguém aqui já comprou cimento a prazo, sabia que as quatro principais marcas de absorventes são da mesma empresa, ou achou que ao comprar carros da Ford e da Volkswagen estaria comprando de empresas diferentes? Aliás, em nenhum país economicamente civilizado esta fusão teria sido aprovada. Mas, por razões que desconheço, o Sarney autorizou.
Não temos, nem tínhamos, qualquer falta de legislação. Sempre houve decretos, leis delegadas e artigos da Constituição que poderiam ter sido invocadas para coibir abusos. Mas ninguém jamais quis, ou teve peito, ou interesse para tanto. Afinal, quem paga as campanhas dos candidatos? Então fica-se sempre no jogo para a platéia, que começa a bocejar. É o Abílio, a Makro e o boi no pasto. É o solitário troféu PC, com seus 40 amigos bandidos, incluindo o próprio Ali-Baba, tomando Dom Perignon. É a hipocrisia institucional, que discute a lei, mas não pretende cumprir nada. Pelo menos até que todos os outros o façam.
É o caso do Osiris. Todo mundo aplaude sua saída, sua postura e por aí vai. Moral e bons costumes, bradam. Ora, ora. Quantos destes 75% que aprovam a moralidade fiscal declaram absolutamente todos os seus rendimentos, rumam direto para o setor vermelho na chegada à alfândega e emitem tanta nota fiscal que nem mesmo os centavos escapam?
Poupe-me de tanta hipocrisia. O que todos querem, como os empresários, é que os tais dos "outros" sejam certinhos. Depois que todo o país for, aí sim vamos pensar no assunto. Mas não vá começar justamente por aqui, né, dr.? Tem tanto absurdo por aí...

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