São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Em Minas, merenda é arroz e farinha

AMAURY RIBEIRO JR.
DA AGÊNCIA FOLHA EM BURITIZEIRO

Em de Buritizeiro (a 400 km de Belo Horizonte), 60% dos cerca de 34 mil habitantes do município são analfabetos e metade das crianças menores de dez anos abandonam a escola no primeiro ano.
A falta de estrutura acentua-se ainda mais nas 42 escolas rurais do município. Os alunos há mais de um ano não sabem o que é merenda escolar e há professores que ganham R$ 44,00 –menos do que um salário mínimo.
"Por mais que se peça, a merenda destinada pelo governo federal às prefeituras não chega mesmo por aqui e o secretário de Educação não aparece", afirma Girassi Ferreira Pégo, 34, professora da escola municipal Quintino Vargas, localizada na Comunidade do Lança, a 30 km do centro da cidade.
Girassi diz ter ficado "perplexa" ao requisitar à prefeitura carteiras para a escola. "Mandaram um amontoado de cadeiras e carteiras quebradas, pedindo para que eu as consertasse", contou a professora, mostrando as carteiras quebradas na frente da escola.
Assim como as demais escolas rurais do município, a escola Quintino Vargas adota o sistema multisserial, que coloca numa mesma sala alunos de várias idades e de várias séries.
Os problemas das escolas rurais também se estendem às escolas urbanas do município. "Quando tem merenda é arroz e farinha, e faltam bebedouros, sem contar que as carteiras estão em péssimas condições", afirma a diretora da Escola Boa Ventura Mirtes, Rosa Vargas, 34.
Professor sem escola
"Jesus ti ama bem aventurado." Esta frase, escrita no quadro da escola municipal Quintino Vargas, mostra um pouco da vida da professora Girassi Pereira Pégo, 34. E da má qualidade de ensino.
A exemplo da maioria das professoras que lecionam nas escolas rurais de Buritizeiro, Girassi não tem o 1º grau completo.
Segundo o secretário de Educação do Município, Elpídio José dos Santos, das 42 professoras que lecionam nas escolas rurais do município, apenas cinco concluíram o curso magistério.
"Ninguém formado vai se submeter a ir para o mato para ganhar salário mínimo", diz Santos.
Girassi mora com as duas filhas numa casa de eucalipto, coberta com sapê, construída pelos moradores da Comunidade do Lança, onde está localizada a escola.
Isolada a 40 quilômetros do centro da cidade, a professora fica até três meses sem poder buscar o salário (de R$ 64,79 por mês).
"A data do pagamento nem sempre coincide com a ida do dono da fazenda à cidade, que, na falta de transporte, é quem busca o pagamento na prefeitura."
Piso de terra
Localizado a 120 quilômetros do centro de Buritizeiro, o grupo escolar José Pereira Martins é o retrato de como não se deve funcionar uma escola.
A escola foi erguida com paredes de eucalipto e coberta com folhas de coqueiros.
O piso do lugar, que não tem cantina nem banheiro, é de terra. As carteiras, geralmente danificadas, não têm braços, o que obriga os 16 alunos a apoiar os cadernos e os livros nas pernas.
A merenda escolar tornou-se uma raridade. "Tem dias que os alunos, cansados depois de andar dez quilômetros a pé para chegar à escola, desmaiam devido à fome", disse o líder da comunidade Messias Antunes Pena.
Segundo Penna, "além de não colaborar com nada" , a prefeitura tentou fechar a escola. "Conseguimos reabrir a escola na Justiça, mas o descaso continua", disse.
Outro lado
O secretário de Educação de Buritizeiro, Elpídio José dos Santos, disse que o município recebe por ano uma verba de cerca de R$ 43 mil destinada à merenda escolar. Com esse dinheiro é possível comprar cerca de 86 mil litros de leite.
Ele nega a denúncia de que a merenda escolar não esteja chegando às escolas. "Tem merenda suficiente e é só o professor pedir que a merenda chega", disse.
Segundo Santos, devido à falta de transportes, os vereadores acabam ajudando na distribuição.
Para Santos, o alto índice de analfabetismo do município se deve a dois fatores: o trabalho flutuante dos operários e estudantes e a grande área territorial do município, a quinta maior do Estado.

Texto Anterior: Educação influi no produto econômico
Próximo Texto: Japão educa 99,9% das crianças
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.