São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Ministério Público, CPI e revisão

WAGNER GONÇALVES

Ministério Público,CPI e revisão
É comum hoje ouvir ataques ao Ministério Público Federal (MPF), como se fosse ele o responsável por todos os males do funcionamento da Justiça.
Falam que a instituição criou expectativas enormes junto à sociedade e que nada fez. Outros, de má-fé, com argumentos dirigidos, atacam a pessoa do procurador-geral sob alegação de atraso na denúncia dos membros da máfia do Orçamento.
Recentemente, o deputado José Thomáz Nonô aproveitou para mencionar que não foi solicitado, pelo MPF, sequer a documentação dos processos que levaram deputados à cassação.
Essa argumentação orquestrada parte, na realidade, daqueles que se sentem de uma maneira ou de outra incomodados com a atuação do MPF.
Na revisão, isso ficou evidente, quando, sob o argumento de o Ministério Público ter "muitos poderes", pretendeu-se desfigurá-lo, transformando o cargo de procurador-geral em função de confiança do presidente da República, acabando com a exclusividade da ação penal (que é segurança para o cidadão e obrigação do Estado), e, enfim, extinguindo funções fundamentais do parquet (suprimindo os arts. 127 e 129 da Constituição), para deixá-lo como mero fiscal da lei, sem poder de provocar o Estado-juiz, como autor da ação civil pública.
Com a Constituição de 1988, os membros do Ministério Público têm o direito de agir. Entretanto, estão longe de terem os instrumentos e o poder real imprescindíveis a essa ação.
O procurador ou promotor de Justiça não expede mandado de prisão, não suspende ato administrativo; tem suas ações fiscalizadas e dependentes do Poder Judiciário, não inquire diretamente a testemunha em audiência, não dirige o inquérito policial, as investigações criminais ou a polícia judiciária. Os inquéritos são dirigidos pelos delegados, que fazem o que querem.
Apesar de o Brasil ter mais da metade da população dos EUA, há somente 320 procuradores da República, que atuam nos juízos federais, nos tribunais regionais federais, no STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal). Enquanto naquele país há mais de 8.000 procuradores federais, sendo que, só em Washington, estão sediados 400 procuradores especiais federais, que auxiliam os demais, lotados nos "distritos".
Quanto à questão da chamada "máfia do Orçamento", é fundamental que se conheça a verdade dos fatos.
Ao contrário do que ocorreu na CPI do PC Farias, que enviou os documentos de uma só vez, rápida e organizadamente, a CPI do Orçamento enviou à Procuradoria Geral documentação insuficiente, falha, desorganizada, parcelada e sem um mínimo de sistematização.
Ao contrário do que disse o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, no dia 17 de março o procurador-geral Aristides Junqueira solicitou, através de ofícios, todos os documentos (defesas e informações) de todos os parlamentares citados no relatório final da CPI.
Sobre a afirmativa de que o MPF não ofereceu denúncia contra os parlamentares, também é necessário esclarecer o seguinte: uma coisa é cassar por falta de decoro parlamentar, outra é denunciar criminalmente um parlamentar.
A documentação que é suficiente para cassar um mandato não é necessariamente suficiente para o oferecimento da denúncia penal.
No caso da ação penal, não se trata de saber do decoro "stritu sensu", mas da tipicidade do delito, que envolve a existência da prova material do fato.
Além da documentação fornecida pela CPI ter as características acima descritas, outras investigações têm de ser feitas (muitas já estão sendo realizadas), de modo a se ter com clareza o fato delituoso, com a apuração dos prejuízos para o poder público.
Isso requer tempo e muito cuidado para que a ação penal seja proposta adequadamente e reduza as possibilidades de o acusado vir a ser absolvido.
Aliás, a absolvição causará mais estranheza e desconforto à população do que a demora no oferecimento da denúncia. E a absolvição será utilizada pelos mesmos acusadores de hoje para atacar o Ministério Público Federal, taxando-o, inclusive, de precipitado.

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