São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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O Brasil e o café - bom senso ou caos

RUBENS ANTONIO BARBOSA

O mercado cafeeiro mundial se encontra, neste ano-safra 94/95, numa situação marcadamente diferente daquela que prevaleceu a partir de 1989.
As geadas que atingiram as regiões cafeeiras do Brasil, mesmo que ainda não seja possível avaliar os seus efeitos, transferiram o poder decisório do mercado "boards" e do "trading rooms" das grandes empresas multinacionais para o Brasil, que hoje tem uma chance ímpar de: 1) estabilizar os preços do café para evitar o crescimento exagerado da produção; 2) recuperar seu "market share"; e 3) realizar seus ativos congelados há mais de cinco anos, em termos de cafés depositados nos armazéns do antigo IBC (Instituto Brasileiro do Café).
Esse fato foi reconhecido por todos os membros do Comitê Administrativo da Associação dos Países Produtores de Café (APPC), que se reuniu em Brasília no dia 7 de julho último, no Palácio do Itamaraty.
Fiz questão de trazer ao Brasil os representantes dos países produtores da África, da Ásia, da América Central e da América do Sul, para que eles pudessem verificar "in loco" a situação deplorável em que ficaram nossas lavouras cafeeiras e pudessem, assim, compreender a imperiosa necessidade de colocação de nossos estoques no mercado, para aliviar não apenas as pressões sobre os preços internos do café, como também para orientar melhor as decisões de investimento na produção de café em seus países.
Contra a expectativa geral, os países produtores presentes à reunião de Brasília expressaram seu total apoio à consolidação da APPC, reconhecendo que seu papel cresce de importância na medida em que a associação tem agora que ir a fundo na definição das linhas básicas de sua atuação em duas áreas chaves para o futuro da cafeicultura mundial: promoção de consumo e coordenação de políticas de produção.
Somente com políticas sólidas e duradouras nessas duas áreas poderemos evitar os ciclos de euforia e depressão que caracterizaram a economia cafeeira.
A APPC, no entanto, nada poderá fazer para a cafeicultura mundial e, por extensão, para a cafeicultura brasileira, se o seu principal membro, que é o maior produtor e o maior exportador mundial e que detém os maiores estoques, não conseguir encaminhar soluções adequadas para os conflitos de interesses internos, nem sempre necessariamente convergentes.
O Brasil precisa urgentemente restaurar a confiança do mercado internacional de café, em relação à sua capacidade de atender as necessidades dos consumidores.
Com efeito, a expectativa positiva do mercado poderá se transformar em francamente negativa, caso venham a se concretizar indecisões em termos de comercialização, políticas erráticas e inconsistentes e a falta de transparência nas medidas de liberação dos estoques, em decorrência, sobretudo, das dificuldades de coordenação entre o governo e o setor privado.
Sei que existem divergências de opiniões. A confiança, contudo, será plenamente restaurada com a implementação de uma política cafeeira que contemple, antes de mais nada, uma visão de consenso interno entre os agentes envolvidos na produção, na industrialização e na comercialização de café e que parta do reconhecimento de uma realidade básica: a intervenção governamental, por um imperativo dos fatos, deverá ser cada vez menor.
O setor privado, por sua vez, não tem como assumir qualquer papel de formulação ou coordenação de uma política se não contar com instituições sólidas e com mecanismos internos de decisão suficientemente rápidos e objetivos.
Estou convencido de que não há mais tempo a perder. Precisamos criar imediatamente um mecanismo de co-gestão da economia cafeeira, que poderia ser iniciado com a reativação do Comitê Brasileiro do Café (CBC) e a criação de um grupo de trabalho governo/setor privado, para tratar das seguintes matérias:
1) O papel do Funcafé – este fundo, com as vendas dos estoques, receberá uma injeção substancial de recursos que devem ser, necessariamente, dirigidos para a recuperação da cafeicultura brasileira, em novas áreas a serem definidas por um zoneamento agrícola e, com especial ênfase, na questão da qualidade.
2) Cronograma de venda dos estoques – agora não se trata mais de vender ou não vender, já que o governo anunciou na última reunião da APPC sua disposição de colocar no mercado mais cinco milhões de sacas. Devemos, assim, cumprir com o anunciado, estabelecendo um cronograma realista para os leilões nos próximos meses.
3) Preparação de um diagnóstico sobre a economia cafeeira para discussão com o futuro governo, a ser empossado em janeiro.
4) Discussão sobre o papel de liderança do Brasil nos mecanismos de coordenação de políticas entre os países produtores.
Uma advertência é necessária neste ponto. Todos sabemos que um setor empresarial não se desintegra de uma hora para outra. Na verdade, este limbo, esta situação em que todos parecem ter razão e ninguém consegue definir uma política, pode continuar por muito tempo. Mas, do resultado final, que somente aparece muito tempo depois, poucos poderão se aproveitar, com o inevitável declínio da liderança do Brasil no mercado internacional do café.
Caso isso venha a ocorrer, será ainda mais lamentável porque, neste momento, o Brasil é o único país que tem capacidade de influir no mercado de uma maneira positiva, de forma a viabilizar o seu pleno abastecimento.
É fundamental, pois, um esforço comum governo/setor privado. Vamos tentar construir o consenso, tão necessário quanto inadiável, para manter a liderança do Brasil no mercado internacional do café.
Somente assim estaremos à altura dos desafios que se apresentarão nos próximos anos e poderemos contribuir para o fortalecimento e a consolidação de um setor que tanto representa para milhões de brasileiros.
Consenso não significa que todos estejam de acordo. Devemos procurar partir de uma base comum de entendimento.
Para mim, essa base comum de entendimento existe e deve ser procurada entre todos os segmentos da cafeicultura brasileira e o governo, mas ela somente se efetivará na prática se houver uma clara disposição de cada um para desarmar os espíritos e contribuir com o melhor dos seus esforços, visando a construção de novas bases para a cafeicultura brasileira.

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