São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Dois guardiães de Canudos

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Adilson Soares dos Santos, 17, e Rainê Pereira dos Santos, 23, nasceram e se criaram em Canudos. Só saíram da cidade uma vez, para conhecer Salvador. Estudaram até o Segundo Grau e estavam desempregados até janeiro deste ano, aguardando uma oportunidade de trabalho na capital.
Quando surge algum turista em Canudos, trabalham como guias, sem cobrar pelo trabalho, contentando-se com qualquer gorjeta recebida.
A grande ocupação da vida dos dois é a história de Canudos. Respiram e se alimentam ainda hoje do mito de Antônio Conselheiro. São fundadores e membros do ACEPAC – Associação Centro de Estudos e Pesquisas Antônio Conselheiro –, organização semifictícia, sem sede, sem ajuda oficial.
Mas Rainê e Adilson colecionam e organizam tudo o que se noticia sobre Canudos, pastas inteiras que guardam recortes de jornal e revista, listas de bibliografia, pilhas de fotos.
Inteligentes e articulados, os dois guias sabem muito da história da guerra e do povoado hoje submerso pelas águas do açude Cocorobó. Têm opinião formada sobre o massacre dos canudenses e sobre Antônio Conselheiro, a quem tratam como um herói socialista.
Rainê e Adilson são surpreendente boa companhia nas andanças pelas ruelas estreitas e pobres da nova Canudos. Orientam os minguados turistas pelos morros que serviram de cenário da guerra, pelas areais fofas e avermelhadas do raso da Catarina, pelas margens azuladas do açude Cocorobó.
Não fosse a história de Canudos, as imagens quadradas da televisão, e uma ou outra banda de rock matuto que vem animar as noites paradas de Canudos, Adilson e Rainê talvez não suportassem a falta de perspectivas que isola jovens como eles nos confins desertos do país. (MF)

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