São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Cientistas estudam maconha e heroína

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Recentemente a revista "Science" (258, 1946 e 1952) publicou artigos sobre o comportamento da maconha e da heroína no cérebro humano que podem abrir novos caminhos para a compreensão e o tratamento da dependência.
Ao contrário da cocaína e de outras drogas que interrompem os processos cerebrais, a maconha e a heroína atuam sobre receptores cerebrais a que se prendem por meio de moléculas específicas (chamadas ligantes endógenos).
As drogas funcionam como chaves que se adaptam a fechaduras para as quais não foram fabricadas.
É claro, salienta Marcia Barinaga na mesma revista, que os receptores não evoluíram durante milhões de anos para esperar que alguém se tornasse viciado nas drogas correspondentes.
Mas ignoramos, ou ignorávamos, a função normal dos receptores e quais as moléculas que a eles se ligam durante o funcionamento normal do cérebro.
Um dos artigos da revista que ajuda a responder a essa questão é de William Devane e Raphael Machoulam, da Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel).
Nele os autores relatam a identidade e a estrutura de uma molécula cerebral natural que se prende ao receptor da maconha.
Ao mesmo tempo, a cópia (clonagem) do gene do receptor dos opióides (heroína e semelhantes), há muito procurado, é anunciada por dois grupos distintos: um é composto por Christopher Evans, Robert Edwards e colaboradores, da Universidade da Califórnia em Los Angeles ("Science", 258, 1952).
O outro, por Brigitte Kieffer e colaboradores, da Escola Superior de Biotecnologia de Estrasburgo (na revista da Academia Nacional de Ciências).
Os cientistas desse campo revelaram grande entusiasmo com as descobertas.
Querem atingir objetivos maiores, que consistem em obter mais completo repertório de receptores para as duas drogas e melhor conhecimento de como eles funcionam no cérebro normal, assim como suas alterações no fenômeno da dependência e sua utilização como alvo terapêutico.
Em ambos os casos faltava uma das chaves para a solução do problema.
Há uns 15 anos se conhecem os ligantes endógenos para os receptores dos opiáceos (encefalinas e endorfinas), mas não se conhecia o gene do receptor.
O oposto ocorria com a maconha: conhecia-se o gene do receptor, mas ignorava-se o ligante endógeno. Os artigos agora publicados preenchem ambas as lacunas.
Devane tem grande prática em experiências sobre a maconha, pois em 1988 demonstrou a existência de um receptor canabinóide (pertinente à maconha), cujo ingrediente ativo (o THC ou tetraidrocanabinol) foi isolado em 1964.
Agora sabemos que o ligante correspondente ao THC é molécula simples derivada do ácido araquidônico, muito comum nas membranas celulares. Devane deu à nova substância o nome de anandamida.
Mas outros pesquisadores apresentaram outros ligantes, que são todavia menos prováveis que a anandamida. Procura-se agora descobrir os neurônios que a fabricam. A anandamida é o detonador do receptor.
A descoberta da anandamida vai estimular a busca de drogas que possuam os efeitos terapêuticos da maconha (analgesia, hipotensão no glaucoma etc.).
A anandamida ainda poderá estimular a descoberta de novos receptores sintéticos e o desenvolvimento de drogas dirigidas contra esses alvos.
O estímulo das investigações farmacológicas sobre os receptores canabinóides sem dúvida aumentará também o interesse pelos receptores opióides, especialmente após a clonagem do receptor desse gênero.

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