São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Isolamento faz haitianos temerem massacres

MARYLIN GREENE
USA TODAY, DE ARLIGTON

O medo está aumentando em Mariani, bairro costeiro de Porto Príncipe, com bandidos caminhando livremente pelas ruas, roubando e matando sem oposição da lei ou protestos da opinião pública.
Os cidadãos aterrorizados dizem que os ataques aumentam constantemente desde que o governo militar expulsou cem observadores internacionais dos direitos humanos, no último dia 11.
Amanhã, quando todos os serviços aéreos comerciais forem interrompidos –a maioria dos jornalistas deve partir–, eles acreditam que os capangas do governo vão começar um banho de sangue.
"Ninguém tomará conta de nós. Eles estão em toda parte e nos matar é um prazer", diz o carpinteiro de barcos Wiltal St. Louis, 34.
Ele fala do crescente exército de "adidos" do general Raoul Cedras, comandante do Exército, que não são pagos, mas recebem armas –e luz verde para usá-las contra a população– em troca de sua lealdade ao regime.
É fácil reconhecê-los, diz o motorista Jeudy Christin. Eles costumam usar óculos escuros e carregam Uzis em pequenas sacolas.
Mariani é menos desagradável que Porto Príncipe. Mas o dinheiro é igualmente escasso. "Adoro meu emprego", diz St. Louis. "Mas não tenho trabalho." Os barcos que constrói custam US$ 300.
Ele tentou fugir no começo do ano, mas foi mandado de volta ao Haiti depois que as pessoas que o entrevistaram na base americana de Guantánamo, Cuba, determinaram que o seu medo a perseguições não era "bem-fundado".
A Cruz Vermelha deu-lhe US$ 15 e desejou-lhe boa sorte. Assim que chegou em casa, conta, "dois adidos me espancaram e levaram os US$ 15".
Mas o êxodo marítimo transformou-se num pequeno filete nos últimos tempos, em grande parte devido à nova política de Washington, que nega a refugiados haitianos a entrada nos Estados Unidos.
As pessoas recolhidas no mar têm duas escolhas: ficar abrigadas em tendas numa base americana em Cuba ou voltar ao Haiti.
Depois da crise, todos serão devolvidos ao seu país. "Não é possível manter uma política de portas abertas em 1994", diz William Gray, assessor especial do governo Clinton para o Haiti.
Gray diz que o regime de Cedras é "o câncer que está causando os problemas dos refugiados", levando milhares de pessoas a deixar o conturbado Haiti.
Todos os bairros têm seus adidos-espiões, e o número deles é estimado na casa dos milhares. Os cidadãos, cautelosos, procuram se certificar de que não estão por perto antes de falar a estranhos sobre o retorno do presidente deposto, Jean-Bertrand Aristide.
"Amamos Aristide, mas guardamos isso para nós", diz Marie Byron, 38, de Cité Soleil, maior favela de Porto Príncipe.
Se um partidário de Aristide tivesse a coragem de pendurar um cartaz ou bandeira, diz, "os adidos sequer esperariam anoitecer. Viriam durante o dia e matariam a pessoa na frente de sua família".
Até agora, jornalistas e observadores dos direitos humanos documentaram as atrocidades.
As vítimas dos adidos são lançadas à pilha de lixo acumulada ao longo da estrada Batimat, que leva a Cité Soleil. Se ninguém reclama os cadáveres a tempo, porcos negros os comem.
Christin diz: "São os porcos que enterram as pessoas".
Tradução de Paulo Migliacci

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