São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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Resguardando a cidadania

As propostas da comissão encarregada de criar novas leis de combate ao crime organizado devem ser recebidas com cautela. Não há dúvidas de que a marginalidade vem crescendo no Brasil, e com ela os seus perversos efeitos sobre a sociedade. Diante desse quadro, é de fato necessário tentar melhorar o arcabouço legal, adequando-o à nova realidade do país.
Ocorre, porém, que a comissão –criada pelo ministro da Justiça, Alexandre Dupeyrat– propõe grandes alterações no sistema jurídico brasileiro. E elas são de tal magnitude que requerem um amplo debate pela sociedade.
Destaca-se, entre as mudanças propostas, a figura da transação penal, bastante comum nos EUA. Trata-se da concessão de benefícios, como a redução da pena, para os acusados que confessarem seu crime e denunciarem seus comparsas. Em princípio, a medida parece correta; afinal, ela facilita o combate aos grandes criminosos, o que é positivo para a sociedade.
É preciso, contudo, lembrar que a transposição pura e simples de modelos que funcionam em outros países não é garantia de que também aqui venham a ter bons resultados. As diferenças entre os sistemas legais norte-americano e brasileiro são inúmeras e vão desde a aplicação da jurisprudência à produção de provas e à forma de escolha de juízes e promotores.
Algumas outras modificações propostas pela comissão causam preocupação. É sem dúvida temerário conceder a um delegado de polícia o poder de determinar escutas telefônicas. Também parece um equívoco a idéia de estatizar o jogo do bicho, quando a tendência moderna é justamente a de privatizar tudo aquilo que não seja função precípua do Estado.
Não existem dúvidas de que medidas concretas contra o crime organizado têm de ser tomadas. É preciso, porém, que a sociedade esteja alerta e saiba manifestar-se no momento adequado. Afinal, tudo o que se refere ao sistema jurídico diz respeito às garantias e liberdades individuais da cidadania.

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