São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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Horário nada gratuito

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

Começou ontem o horário político. O problema é que essa propaganda eleitoral gratuita não é gratuita. É certo que não custa nada para os partidos políticos, mas é cara para o governo (no fundo, para todos nós).
O generalizado desconhecimento dessa rotina, de parte a evidente falta de interesse nessa informação pelos veículos de comunicação (governantes também, permanentemente ciosos em preservar boas relações com a mídia), decorre substancialmente da própria expressão "propaganda eleitoral gratuita", no fundo induzindo à convicção da ausência de qualquer espécie de remuneração.
A circunstância de serem rádio e televisão serviços públicos, atribuídos gratuitamente pelo poder concedente, de resto autoriza a crença de que uma veiculação destinada a incorporar cidadãos ao debate dos grandes temas nacionais seria contrapartida legítima à gratuidade da concessão. Só que não é nada disso.
Como já demonstramos em livro recente ("Informação e Poder", editora Record), além das vantagens de não pagar ICMS ou ISS genericamente, as emissoras têm o tempo usado pelos partidos políticos e pela Justiça eleitoral muito bem pago. Até demais.
Está em vigor um sistema legal de "ressarcimento fiscal" que provoca distorção incompreensível; porque em vez de pagamento, ou simples crédito, aumenta brutalmente o montante inicialmente devido. Esse tempo de transmissão é pago a 80% do preço de anúncio em horário nobre (correspondente ao preço de tabela menos os 20% legalmente atribuídos às agências de publicidade).
Ocorre que se o montante devido fosse pago ou creditado teríamos, sobre esses pagamentos ou créditos o mesmo conjunto de incidências a que estão submetidas todas as empresas: 2% do Cofins, 0,65% do PIS, 10% de contribuição social, 0,25% do IPMF e 25% do IR (sem levar em conta os 10% do adicional de IR, invariavelmente presente nos grandes grupos).
Por isso, de cada 100 recebidos, deveriam ser pagos em tributos nunca menos que 33,57; ficando então livres, para as emissoras, 66,43; equivalendo a um pagamento de 150,53, do qual se abateriam os tributos que seriam devidos no montante de 50,53 (que corresponde a 33,57% de 150,53) sobrando líquidos os referidos 100 (que corresponde a 66,43% de 150,53).
Para cada hora de programação eleitoral gratuita, rádio e TV têm assim vantagem econômica pelo menos equivalente a 50,53% a mais (150,53 sobre 100). Convertido em tempo esse percentual temos uma hora, 31 minutos e 48 segundos de transmissão (em alguns casos bem mais que isso); quando a regulamentação (hoje ignorada) permite apenas 15 minutos de publicidade a cada hora. É fantástico.
Observe-se ainda nesses cálculos que o preço base da vantagem econômica é o de tabela, em horário nobre. Sem considerar os descontos usualmente empregados para clientes preferenciais e sem considerar que tanto tempo de propaganda (que em 1992 correspondeu a 22 horas, 57 minutos e 30 segundos) certamente permitiria uma negociação a preços incomparavelmente menores que os de tabela.
Assim, por conta de relações espúrias entre meios de comunicação e elites políticas, recursos que deveriam ser destinados a aplicações sociais são generosamente transferidos às empresas de comunicação; fazendo com que o Estado, que cobra tributos em gêneros de primeira necessidade, banque indiscriminadamente esse subsídio. Um escândalo. E tudo com o silêncio cúmplice de muita gente boa.

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