São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Os ecos sombrios de agosto de 1954

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

Para o jornalista carioca Claudio Lacerda, o tiro que no dia 24 de agosto de 1954 matou o então presidente Getúlio Vargas e mudou a história brasileira começou a ser disparado 19 dias antes, na rua Toneleros, em Copacabana.
No dia 5 de agosto, ao executar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, um dos então maiores críticos de Vargas, o pistoleiro Alcino João do Nascimento matou o major da Aeronáutica Rubens Vaz. O militar era um dos oficiais que davam segurança a Lacerda.
A descoberta de que o atentado contra Lacerda havia sido tramado pelo chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, abriu uma crise no governo que terminou com o suicídio do presidente.
"Não teria ocorrido a tragédia do dia 24 de agosto se não houvesse acontecido o crime do dia 5", afirma Claudio em "Uma Crise de Agosto: O Atentado da Rua Toneleros", livro que será lançado na Bienal do Livro de São Paulo.
No livro, Claudio –sobrinho de Carlos– procura demolir a versão de que Vargas foi levado ao suicídio "por uma burguesia nacional gananciosa e aliada ao imperialismo ávido em roubar nossas riquezas".
Claudio afirma que os autores da tese da conspiração imperalista decidiram colocar "um pouco de charme numa história sem graça: um presidente da República isolado, só, desesperado, mata-se depois de uma conversa com seu irmão caçula (Benjamim), apontado por alguns como o principal suspeito de ser o mandante do crime".
Para ele, a foto mostra todo o processo de isolamento e decadência do homem que governara o país entre 1930 e 1945, mais da metade do tempo como ditador.
O livro destaca a dificuldade daquele homem de formação autoritária em exercer um novo período na Presidência de uma forma diferente: com o Congresso funcionando e a imprensa livre.
O livro é centrado no crime da rua Toneleros: sua preparação e execução, a prisão e julgamento dos acusados. Em 1956, foram condenadas seis pessoas, entre elas Fortunato (a 25 anos de reclusão) e Alcino (a 33 anos).
O caso, porém, não ficou livre do cheiro de pizza. Escaparam do banco dos réus o deputado Euvaldo Lodi e o general Mendes de Morais. Ambos eram acusados por Fortunato de terem estimulado o atentado.
A Câmara dos Deputados não deu licença para que Lodi fosse processado. O caso de Morais foi enviado para a Justiça Militar, onde foi arquivado.
Benjamim Vargas, o Bejo, também foi excluído do processo. Claudio afirma que Carlos Lacerda morreu com a convicção, "embora sem provas", do envolvimento do irmão de Vargas.
Ao procurar desmontar a tese das pressões imperalistas contra Vargas, Claudio cita que, naquele mesmo agosto de 1954, Vargas era acusado pelo jornal "Imprensa Popular", do PCB, de adotar "uma completa submissão aos governantes norte-americanos".
Na mesma edição, o jornal dos comunistas classificava o governo Vargas de pertencer "aos latifundiários e capitalistas".
Além dos episódios históricos, o livro apresenta alguns detalhes que costumam escapar de uma historiografia mais tradicional.
Como exemplo, o relato da existência de uma lista com os nomes dos bicheiros que colaboravam com a guarda pessoal: entre eles, um tal Castor –possivelmente, o mesmo Castor de Andrade das listas que, em 1994, continuam a fazer vítimas em palácios fluminenses.
O livro não chega a abordar o suicídio de Vargas. Claudio, porém, sugere um aprofundamento dos estudos sobre o ex-presidente e o que classifica de "depuração" de sua atuação histórica.
"Quando se discute o Estado Novo, por exemplo, ressalta-se que quem censurava era o Lourival Fontes, quem torturava era Filinto Muller, quem instituiu o fascismo foi Francisco Campos, quem deu o golpe foi Eurico Dutra e quem apoiava Hitler era Góes Monteiro. Getúlio não teve nada com isso. Getúlio fez Volta Redonda", ironiza o autor.

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