São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 1994
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Se todos fossem iguais a você

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Não é necessária uma análise profunda. Basta uma olhadela superficial nos documentos coletados pela Secretaria da Administração Federal (SAF) para se concluir: qualquer empresa privada, por mais sólida e conceituada, se fosse gerenciada como o governo quebraria em menos de um ano. Isso na melhor das hipóteses.
Novas informações chegaram ontem, mostrando, por exemplo, que 9.534 servidores federais ganham salários irregulares –o rombo anual é de, no mínimo, R$ 50 milhões. Há fatos tão gritantes que chegam a beirar o cômico.
As listas apontam funcionários "trabalhando" ao mesmo tempo em vários Estados. Um deles no Pará, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Brasília. Um motorista do Amapá recebeu ordem de pagamento, em janeiro deste ano, de R$ 250 mil –isso mesmo, não foi erro de digitação.
Também no Amapá, um servidor recebeu gratificação de 12 anuênios –a gratificação vai-se se acumulando a cada ano de trabalho. Detalhe: ele tem apenas 21 anos. Só tivesse virado funcionário público com nove anos.
A situação chegou a tal ponto que uma equipe de técnicos da SAF foi a Boa Vista, capital de Roraima. Missão: investigar os desmandos salariais. De lá, saíram duas duas ordens de pagamentos fabulosas: cada uma de aproximadamente R$ 80 mil. Os técnicos tiveram de se refugiar num quartel do Exército.
No ano passado, descobriram-se que 3.000 clandestinos tinham o direito de operar a folha de pagamento, usando senhas supostamente secretas. As senhas são distribuídas por escalões graduados.
Daí se vê o significado do corporativismo: as denúncias não partiram dos sindicatos, tão zelosos em encontrar irregularidades em seus adversários na política. Vamos ter um gigantesco avanço quando as corporações se preocuparem com a qualidade do serviço e a austeridade como se preocupam (e com razão) com seus salários.
PS – Reconhecimento: essas informações apenas foram possíveis graças ao empenho do ministro Romildo Canhim em bancar uma dolorosa investigação. Não são poucos os irritados mesmo em seu ministério, muitos deles, agora, suspeitos de distribuição irregular de senhas.

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