São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994 |
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Entre acertos e erros
TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIORNão há leis perfeitas. Afinal, não só o processo legislativo não obedece plenamente às exigências da racionalidade, como qualquer lei, por regular o geral, está sujeita às perspectivas dos interesses concretos. Aliás, esse é um dos motivos em que se funda a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça. Sem seu saber técnico, todas as opiniões são como gatos pardos em noite escura. O exercício da cidadania exige a arte adequada e a ciência necessária. Com isso, se os interesses não confluem, ao menos os conflitos se dirimem. O novo estatuto vem provocando acesos debates. Fala-se muito no acentuado corporativismo da lei, que estaria criando privilégios quase "cartoriais", ao atribuir ao advogado extensivamente atividades privativas que deixariam o cidadão sem escolha. Isto alcançaria, por exemplo, os juizados especiais de pequenas causas, criados para situações em que os interesses econômicos são de menor relevância, tornando irrazoável a cobrança de honorários. Está certo o estatuto quando reconhece que a imprescindibilidade do advogado é uma proteção ao cidadão. Abstratamente faz sentido a exigência. Mas num país em que a Justiça, por ser cara, não atende devidamente a todos, aqueles juizados foram oferecidos como um instrumento de mediação mais ágil porque menos complicado e menos burocratizado. Errou, assim, o estatuto porque não deixa brechas para uma interpretação razoável, que admitisse a indispensabilidade do advogado, mas desde que o teor da questão o exigisse. Não me parece excessiva, por sua vez, a imunidade conferida ao advogado, não constituindo injúria ou difamação ou desacato suas manifestações no exercício de sua atividade. Afinal, a lei prevê sanções por abusos. Aqui o bom senso terá de prevalecer. O que se protege é a contundência, a força da palavra, com o objetivo de defesa de direitos. A arte, porém, tem sua linguagem própria. É dentro dela que cabe a apreciação dos excessos. Não será, portanto, um privilégio de injuriar, difamar ou desacatar, mas um direito de não ser coagido ou intimidado pelo vigor de linguagem tecnicamente necessário à defesa do cidadão. Mas erra o estatuto quando estabelece a jornada máxima de quatro horas contínuas. Terá sido mera emulação, em face de disposições semelhantes para outras profissões? Por que quatro e não cinco ou 4 horas e 20 minutos? Num país de misérias, privilégios como este são um acinte à cidadania. Entre erros e acertos, uma lei torna-se boa ou má, dependendo da sabedoria dos que a aplicam. Correto, assim o estatuto, quando configura infração disciplinar "incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional". De todos, a ignorância diplomada é o maior desserviço à cidadania. TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, 53, é professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Foi procurador-geral da Fazenda Nacional (governos Collor e Itamar). Texto Anterior: Um passo em falso Próximo Texto: Joio e trigo da imprensa; Flávio Rocha e os bônus; Venha conhecer a Unesp; Solidariedade a Romano; Pesquisas eleitorais; Quarteirização; Boicote a Erundina; Efeito Bisol; Faça alguma coisa! Índice |
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