São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Collor abriu a agenda, mas se arrebentou

Eu não fui escolhido pelo conservadorismo. Ele vota em mim por não ter candidato
Folha - Uma pergunta para o sociólogo: como é que o sr. avalia o período Collor?
FHC - Eu acho que o Collor abriu uma agenda nova, porque ele colocou questões que não estavam sendo colocadas.
Desde o primeiro discurso no Congresso, ele tentou fazer uma atualização da temática brasileira.
Depois, na prática, se arrebentou todo. Ele viu que tinha que reformar o Estado, mas desorganizou ainda mais.
Viu que tinha que fazer a abertura da economia, mas não viu que isso precisaria de outras políticas para poder completar as condições de competição para a economia.
Folha - Em torno dele não estavam pessoas que hoje estão na sua candidatura?
FHC - Certamente, e daí?
Folha - O erro dele foi puramente pessoal ou foi o fato de que estava cercado pelas pessoas que falam da reforma do Estado, mas tinham as práticas do clientelismo...
FHC - Não foi por clientelismo que ele caiu. O Collor arrebentou as estruturas sem prestar atenção a clientelismo nenhum.
Folha - Caiu por bonapartismo.
FHC - Por bonapartismo. Não foi por clientelismo. E os que o cercavam não estão comigo não. Quem cercava o Collor é outro tipo de gente.
Folha- Como é que o sr. se sente sendo o candidato escolhido hoje pelo conservadorismo no Brasil?
FHC - Eu não fui escolhido pelo conservadorismo. Como o conservadorismo não tem candidato, ele vota em mim.
O Brasil foi para a esquerda. As forças conservadoras não tiveram condição de apresentar um candidato.
Folha - Mas há uma leitura também de que o Brasil foi para a direita, como o mundo todo foi para a direita. O sr. foi para a direita, o Lula está indo para a direita, em relação às posições anteriores.
FHC - Pode até ser verdade isso. Quer dizer vamos ver o que é direita e o que é esquerda. Eu acho que aí tem uma discussão que não é semântica...
Folha - O Brasil foi para o centro. E centro aqui significa esquerda.
FHC - É, mas eu acho que tem mais do que isso. O que significa ser de esquerda? Duas coisas básicas: uma é estar na linha do progresso e outra que esse progresso beneficia a maioria.
Quando nos séculos 18 e 19 os socialistas apareceram, eles estavam na linha do progresso. Eles eram favoráveis à industrialização, eram contra o capital que não fosse industrial e achavam que deviam favorecer os trabalhadores. Isso é que é esquerda.
O problema é que uma parte da esquerda não entendeu isso hoje. Quer dizer, ela ficou regressiva. Tem teses que não são progressistas, embora a intenção seja a de beneficiar a maioria. Mas o caminho escolhido já não beneficia a maioria.
Que é ser de esquerda e não ser progressista? Se você é progressista, o que você propõe tem que sair da prática para melhorar.
Se não tem que sair da prática, você fica no museu, você fica ideologicamente tranquilo e praticamente inútil.

Texto Anterior: Comparação com Sartre é absurda
Próximo Texto: Lula vocaliza o sentimento da massa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.