São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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Fernando 2º, imperador do Brasil

OTAVIO FRIAS FILHO
DA REDAÇÃO

"Desculpem o papelão", disse Fernando Henrique Cardoso ao entrar, sozinho, enquanto trancava a porta.
Não havia papelão: ele estava só cinco minutos atrasado e a equipe da Folha mal se acomodava no apartamento onde mora o candidato, num daqueles indistinguíveis prédios-caixote de Brasília.
O ambiente é espaçoso e impessoal. Como tudo na cidade de Niemeyer e Kubitschek, evoca uma melancolia de infância com seu futurismo já fora de moda, no estilo "palito" dos anos 60.
Uma empregada, negra e com uniforme, serviu café enquanto o candidato desaparecia para um rápido lanche, não sem antes perguntar, à brasileira: "Não querem comer alguma coisa?"
FHC voltou em seguida e a entrevista ocorreu na presença dos assessores Ana Tavares e Augusto Fonseca, o horizonte do Planalto Central desatado sob o sol, janela afora.
Terno bege e gravata azul, o rosto queimado que é marca registrada dos candidatos, FHC parecia eufórico na tarde de quinta-feira.
Foi cauteloso ao comentar suas chances, escaldado, talvez, pelo fiasco de 85, quando perdeu a Prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros, após ter posado na cadeira de prefeito.
Comentava-se então que a derrota lhe havia subido à cabeça. Mas se FHC é de uma onipotência só comparável à de Deus, como rezava outra maldade, pode-se dizer que "Deus" está satisfeito.Príncipe da sociologia, o senador por São Paulo está próximo de se tornar Fernando 2º, imperador de todos os brasis.
Se preparo intelectual e articulação ao verbalizar garantirem (garantem?) bons resultados, FHC dificilmente encontraria um adversário à altura.
Dispõe, como poucos, de compreensão das mudanças no cenário internacional e de um profundo conhecimento da história brasileira.
As alianças com o coronelato no Nordeste e com o empresariado no Sul, mais do que assegurar governabilidade, visavam mesmo garantir a vitória. O real sugere que elas não teriam sido necessárias.
Este parece o único senão a empanar o contentamento do tucano, que ainda ostenta no pulso o fiapo de uma fita de Nosso Senhor do Bonfim, reminiscência do ano passado, quando sua postulação ainda dependia da fé.
Seria aquele professor glamuroso e bem-falante o futuro presidente da República? Hoje sim; daqui a duas semanas, quem sabe?
Na saída, após uma hora e meia de entrevista, dois fotógrafos de outras publicações estavam de plantão.
Sua presença ali, tediosa e rotineira, era como um testemunho de que começa o assédio permanente ao poder que sobe.
Era também um lembrete de que em política tudo pode acontecer mas ao mesmo tempo nada é realmente novidade.
E de que as emoções da democratização, ou mesmo da campanha eleitoral de 89, são cada vez mais águas passadas. Agora é a hora dos pragmáticos, dos realistas, dos racionais.
Naquela cidade de brinquedo, sem poluição, sem trânsito, quase sem vestígios humanos pelas ruas, tudo parece claro como o céu.
Mas fora dali se agita um monstro chamado Brasil, que FHC –ou Lula, ou algum outro– terá de enfrentar.(OFF)

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