São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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Um macunaíma bem vigiado

OTAVIO FRIAS FILHO
DA REDAÇÃO

O antigo slogan petista "sem medo de ser feliz" parece não encontrar eco no deputado estadual Rui Falcão, presidente do partido.
Líder da facção "xiita", que não abandonou o dogma marxista-leninista, ele permaneceu calado e sisudo durante a hora e meia que durou a entrevista com Lula. Dava a impressão de vigiar, como um cão-de-guarda, cada declaração do candidato.
A entrevista aconteceu na manhã de terça-feira, na produtora do programa eleitoral do PT –um sobrado em Vila Olímpia, bairro de classe média na zona sul de São Paulo.
Ainda na gestão Paulo Maluf, o bairro vai sofrer transformações em decorrência da faraônica extensão da avenida Faria Lima.
A obra deve violentar o pacato casario onde por acaso mora o maior crítico literário do país, Antonio Candido, militante aliás do próprio PT.
Lula chegou com poucos minutos de atraso, bronzeado pelo sol da campanha e vestindo uma jaqueta de couro preto.
Usava num pulso um relógio Omega de aço e no outro uma fita de Nossa Senhora da Purificação, presente de dona Canô, a mãe do compositor Caetano Veloso.
Sua primeira frase, antes de se sentar a uma mesa de mármore entre o patibular Falcão e o assessor de imprensa Ricardo Kotscho, foi xingar o frio com um palavrão.
Em seguida acendeu um dos "três ou quatro" charutos que diz fumar por dia, pedindo aos fotógrafos que não o registrassem fumando (não foi atendido).
Lula deixou de fumar cigarros há alguns anos, mas reclama de ter contraído o hábito do charuto, que ele reacendeu várias vezes durante a entrevista.
Para quem o conheceu na época em que ele era apenas um agressivo líder metalúrgico, a mudança é sensível.
Mentalmente ágil, simpático e algo macunaímico ele sempre foi. Intuitivo e incapaz de subserviências, também.
Mas agora, além de ter melhorado o português a ponto de parecer às vezes afetado na tentativa de falar "bonito", Lula discorre com desenvoltura sobre qualquer tema.
Muito mais conciliador do que no passado, seu estilo de pensar, no entanto, não mudou. Alterna vagas declarações de princípio com o relato de casos prosaicos.
O nível intermediário entre uma coisa e outra, a formulação de políticas consistentes, ainda parece o ponto fraco, ao menos em termos verbais, na atitude de Lula.
A entrevista começou tensa, talvez em função de dois processos judiciais que o candidato e o próprio PT estão movendo contra a Folha, por conta de publicações que desagradaram.
No final, mais à vontade, Lula chegou a dizer, indicando o fotógrafo do jornal: "Com esse brinquinho, no meu governo não entrava" e deu risada, abraçando-o.
Durante a entrevista, Rui Falcão afastou-se da mesa duas vezes para atender misteriosas chamadas em seu celular. O clima entre os assessores, de resto, era de apreensão com o rumo (ou falta de) da campanha.
Ninguém sabe se o otimismo com o real veio para ficar ou corresponde à euforia que tem acompanhado os primeiros meses de qualquer plano econômico.
Mas a alegria de Lula parece ter raízes mais profundas, extra-eleitorais e ocultas na longa trajetória entre a miséria no interior de Pernambuco e aquele sobrado azul da Vila Olímpia.(OFF)

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