São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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Partidos tornam o Brasil ingovernável

THOMAS E. SKIDMORE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não é hora de fazer perguntas incômodas no Brasil. Depois de ganhar a Copa do Mundo e de conseguir uma moeda estável, o país está eufórico. Por toda parte onde se olha, há sucesso: desde o nível recorde de reservas de divisas até as exportações recorde de carros.
Será que a eleição presidencial que se aproxima sobrepõe alguma nuvem a esse horizonte? Poderá a euforia se prolongar, sob um novo presidente? Será a Presidência do Brasil um prêmio que ao menos vale a pena ganhar?
Um historiador encontraria motivos para preocupação. Desde 1945, apenas um presidente civil eleito por voto direto conseguiu concluir seu mandato. Todos os outros sofreram diferentes destinos indesejáveis: suicídio, renúncia, deposição por golpe militar, impeachment.
Será que esses fracassos foram somente de personalidades individuais? Ou terão atuado forças institucionais maiores de algum tipo?
Existem bases válidas para se argumentar que o Brasil, hoje, é ingovernável. Os defensores desse argumento apontam duas causas: a natureza das instituições políticas brasileiras e o comportamento de seus cidadãos.
Na condição de estudioso de governo comparativo, não encontro fundamento para se acreditar que o comportamento político brasileiro seja pior do que o dos cidadãos de tantas outras democracias. Ao contrário: o povo brasileiro vem demonstrando imensa paciência diante de repetidas decepções oferecidas por seus dirigentes.
O que dizer das instituições políticas? O mais sério é o caso do sistema eleitoral, que funciona mal e que criou o sistema partidário mais fragmentado de qualquer democracia no mundo. A coesão partidária e as coalizões partidárias são indispensáveis à administração da política democrática. No entanto, o Brasil produziu uma fórmula que virtualmente impossibilita tal comportamento partidário responsável.
O problema da ingovernabilidade adquiriu proporções dramáticas durante o governo Collor, que dependeu quase que inteiramente do uso da medida provisória para colocar em prática seu programa de estabilização, em 1990. As medidas foram impostas por decreto e sua aplicação acabou sendo interrompida pelo Supremo Tribunal e o Congresso. Então, Collor foi obrigado a empreender negociações com o Congresso, mas só procurou fazê-lo no início de 1992.
O governo melhorou sob seu sucessor, mas uma vez mais um plano de estabilização foi imposto sob a forma de uma medida provisória. E há grandes dúvidas quanto à capacidade do Congresso de manter a disciplina fiscal necessária para o êxito do Plano Real.
Nenhum dos principais candidatos à Presidência pertence a um partido que tenha maioria no Congresso. Portanto, negociar será essencial para qualquer futuro presidente. Isto é ainda mais verdadeiro porque a política de estabilização vai precisar de pelo menos dois anos. Durante esse período, a tentação de desviar-se de suas linhas diretrizes através de acordos de meio-termo será enorme.
No entanto, virtualmente todos os economistas responsáveis acreditam que a estabilização efetiva é indispensável para o crescimento a longo prazo. Portanto, o sistema político vai sofrer pressão máxima durante a próxima Presidência. E tão importante quanto o resultado da eleição será a vontade política de reformar o sistema, especialmente a legislação eleitoral.
A campanha produziu pelo menos uma boa notícia: tanto Fernando Henrique quanto Lula substituíram seus candidatos originais à Vice-Presidência por outros mais qualificados. Isto não deixa de ser importante quando se recorda que os três últimos presidentes civis eleitos terminaram por passar o poder a seus vices.

THOMAS ELLIOT SKIDMORE, 62, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), brasilianista desde 1961, é autor dos livros: "Brasil: de Getúlio a Castelo" e "Brasil: de Castelo a Tancredo".
Tradução de Clara Allain

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