São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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Conhecimento e desenvolvimento econômico

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Especial para a FolhaAlexandre, o Grande (356-326 AC); o heróico rei da Macedônia que expandiu as fronteiras do mundo grego do Egito à Índia, foi educado na juventude pelo filósofo Aristóletes. Alexandre foi instruído não só nos princípios da ética e da política, mas também em cultos eleusinos e órficos, os quais só eram transmitidos verbalmente para garantir-lhes o segredo. Alguns anos mais tarde, já em campanha na Ásia Menor, Alexandre soube que Aristóteles havia publicado alguns textos que tratavam dessas matérias. Resolveu, então, expressar sua crítica ao mestre e escreveu-lhe em linguagem direta: "Aristóteles, saudações. Você não fez bem em colocar no papel e publicar aquelas doutrinas que me ensinou de viva voz. Que vantagem terei eu sobre outros homens se essas teorias nas quais fui treinado se tornarem propriedade comum? Eu preferiria exceder o resto da humanidade em meu conhecimento do que é melhor, do que na extensão do meu poder".
Trecho de correspondência citado por Plutarco, "Vidas" (Vidas Paralelas de Personagens Gregos e Romanos) - Penguin Classics, Londres, 1973, pag. 259.
Os debates sobre a universidade, promovidos nesta semana pela Folha, em continuidade à atenção que a direção da casa dedica ao tema, são de grande atualidade. Desejo chamar a atenção na coluna de hoje para a relevância que o "conhecimento" (lato senso, não sendo preciso limitá-lo à noção de tecnologia) tem adquirido nos debates de ponta sobre os fatores que movem o desenvolvimento econômico.
A análise econômica do desenvolvimento está passando por um grande progresso nos últimos anos nos centros universitários da Europa e Estados Unidos. Essas teorias –chamadas de modelos endógenos de crescimento– ainda são pouco conhecidas no país. Planejamos enfocá-las em uma sequência de colunas programadas para setembro. Hoje, damos a primeira pincelada.
A vertente mais produtiva e inovadora dessa revolução, liderada pelo professor Paul Romer, da Universidade de Berkeley, singulariza o conhecimento e em suas consequências econômicas como um fator central propulsor do processo de crescimento econômico.
A renovação do pensamento econômico sobre o desenvolvimento teve início com uma aula magna proferida pelo professor Robert Lucas (Universidade de Chicago), na Universidade de Cambridge, em 1985.
Lucas postulou, então, que a fonte primordial do crescimento econômico são os efeitos que os grupos ou instituições têm sobre a produtividade dos indivíduos –interações conhecidas por todos como as em família, universidades, cidades, regiões ou empresas.
Lucas ressaltou que alguns processos produzem externalidades, as quais seriam responsáveis pelo fato observado de que frequentemente as regiões ricas se tornam mais ricas e as pobres geralmente permanecem pobres. E dentre os processos que geram externalidades, o principal deles vem da educação e da formação de capital humano.
Lucas argumentou que a concentração de especialidades ("skills") deveria ser um tema central da economia e que muito –incluindo-se aí a riqueza das nações, os grandes fluxos de imigração e o significado econômico das cidades– pode ser entendido prestando-se atenção ao "grupo de interações que são centrais para a produtividade individual e que envolve grupos maiores do que a família".
A proximidade a centros de maior agilidade na geração e transmissão de conhecimento permite absorver parte das externalidades geradas. Mas há um aspecto frágil no argumento, pois as externalidades ficam parecendo com a imagem que diz "há algo no ar".
Paul Romer, que já vinha trabalhando no tema, mostrou em sua tese de doutorado de 1985 que o conhecimento permite rendimentos de escala aos que o detêm e os nega aos que não o tem.
Tratando o conhecimento como análogo ao capital, Romer construiu um modelo no qual o crescimento de longo prazo é movido pela acumulação de conhecimentos por agentes que maximizam as oportunidades.
Em 1988, Romer apresentou uma nova hipótese bem trabalhada de que o conhecimento, em suas diversas modalidades, permite monopólios locais aos que o detêm.
Assim, nos centros dinâmicos, observa-se a existência de muitos pequenos monopolistas, onde cada um tem o seu pedaço especializado de conhecimento, o qual é usado em processo de troca com outros agentes. A dinâmica dessas trocas, quando o próprio conhecimento está se expandindo, impulsiona o crescimento econômico.
O que é fundamental para fazer a economia crescer: a competição, para não permitir rendas monopolistas distorsivas e induzir a geração de mais conhecimento. A disseminação do conhecimento passa a ser um fator chave.
Educação básica e instituições que induzam à busca de inovações são hoje unanimemente consideradas condições necessárias para o progresso. Nessa perspectiva, há que se cuidar mais da educação, do conhecimento e de sua disseminação.
Nessa mesma linha: não se pode deixar a universidade no Brasil no seu estado de semi-abandono atual. A universidade é considerada por segmentos relevantes das elites brasileiras como quase dispensável; pouco digna de maior atenção e pouco merecedora de maiores verbas (e, por conta disso, isenta da cobrança de prestação de contas).
Já se tornou conhecido no Brasil o argumento de que há muito desperdício no dinheiro destinado à educação. É evidente que se deve, em qualquer caso, combater o mau uso de recursos.
No entanto, vamos dizer claramente: o Brasil como nação precisa aumentar muito, talvez dobrar, os recursos que destina hoje para os diversos segmentos da educação.
Só um número basta para ilustrar o argumento. A média de anos da escola no Brasil é de 3,8 anos (2,4 anos no Nordeste), enquanto a média nos países industrializados é de 9,5 anos (dados para 1987, citados por Jere Berhman no relatório anual do BID de 1993). Há que se mudar começando por fatos como este.
A propósito, terminando o episódio que abriu essas notas. Plutarco conta que Aristóteles respondeu ao jovem Alexandre, dizendo que as doutrinas que descrevera estavam, em certo sentido, publicadas e não-publicadas.
Seu tratado sobre a metafísica estava escrito de forma que o tornava inútil para aqueles que desejassem estudar o assunto partindo do começo: o livro servia apenas como um memorando para aqueles a quem já haviam sido ensinados os princípios básicos.

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