São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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Bem-estar real

ANTONIO KANDIR

Passados 40 dias da introdução do real, são cada vez mais fortes os sinais de que o quadro eleitoral alterou-se definitivamente. Confirmando tendência identificada desde o final de junho, a candidatura de Fernando Henrique cresce em todos os segmentos sociais e regiões do país, já ponteando a disputa. Pelo Datafolha, com sete pontos de vantagem sobre Lula.
Se acontece em todos os segmentos sociais e regiões do país, o crescimento de Fernando Henrqique, no entanto, é particularmente acentuado nas camadas de baixa renda, nas quais Lula liderava com certa folga até há pouco.
Com efeito, são as camadas de baixa renda que sentem de modo mais imediato e perceptível os efeitos positivos da derrubada da inflação. Na medida que os preços se estabilizam, cai o imposto inflacionário, pago sobretudo por aqueles que, não tendo às vezes sequer conta no banco, para não falar de acesso às aplicações financeiras, não conseguem proteger seus rendimentos da desvalorização da moeda.
Não apenas cai o imposto inflacionário, como amplia-se também o horizonte de crédito, pois, mais confiantes na moeda, os empresários aceitam prazos mais longos de pagamento.
Como resultado da queda do imposto inflacionário, aumenta de imediato o poder de consumo das camadas de baixa renda. De modo correlato, como resultado do alongamento do horizonte de crédito, aumenta a capacidade de endividamento, importando pouco, para as camadas de baixa renda, a taxa real de juros (para quem conteve aspirações básicas de consumo por muito tempo, importa saber principalmente se a prestação cabe no orçamento).
Essa expansão de bens de consumo popular, no momento da estabilização, tende a ser tão mais vigorosa quão mais alta for a taxa de inflação no período imediatamente pré-estabilização e mais acentuada a sua redução no período imediatamente subsequente. Tão mais vigorosa, ainda, quão maior for o contingente de "desindexados", isto é, de pessoas que não tinham condições de proteger seus rendimentos da desvalorização da moeda.
Basta ler os jornais, ir ao supermercado ou a lojas que vendem produtos populares, para ver que esse efeito inerente à estabilização já está se manifestando, desmentindo categoricamente as previsões desinformadas de que o Plano Real traria consigo a recessão.
Pois bem, dentre os bens de consumo popular estão os alimentos industrializados. O aumento da demanda por alimentos deve acentuar-se à medida que a estabilidade econômica vá se consolidando. Isso tem implicações muito claras. Com a demanda por alimentos em expansão, é preciso haver expansão correspondente da oferta, para que não ocorra pressão sobre os preços mais à frente.
Como a oferta interna de alimentos no futuro é função de decisões de plantio que estão sendo tomadas agora, é preciso não descuidar do financiamento da próxima safra agrícola, que começará a entrar no mercado em março/abril do próximo ano.
Com o perdão do trocadilho fácil, é preciso começar a plantar agora as condições para que não corramos riscos de um "choque de oferta" no primeiro semestre do ano que vem, que será decisivo para a consolidação da estabilidade econômica.
Por isso, era urgente não adiar mais o início das operações de financiamento visando a próxima safra agrícola, sem colocar em risco o equilíbrio fiscal necessário ao êxito do plano.
Se não estabelecem um novo padrão de financiamento à agricultura, as medidas anunciadas pelo governo na semana passada têm o mérito de minimizar os riscos de haver quebra importante da safra agrícola do próximo ano.
Solução duradoura da questão só será possível com a consolidação da estabilidade econômica e a consequente melhoria das condições de crédito. Na travessia é preciso evitar as armadilhas, para mais à frente pisar em terra firme.

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