São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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África do Sul vive "guerra das línguas"

FERNANDO ROSSETTI
DE JOHANNESBURGO

Os 400 deputados e 90 senadores eleitos em abril para elaborar a Constituição da "nova" África do Sul –na terminologia pós-apartheid– estão em briga sobre quais das 11 línguas oficiais devem ser usadas no Parlamento.
No ano passado, quando o país preparava as regras para sua primeira eleição multirracial, outras 9 das cerca de 20 línguas faladas no país foram incorporadas como "oficiais" na Constituição.
Antes, havia duas línguas oficiais: inglês e africâner (idioma derivado do holandês), as línguas dos colonizadores. Todos os documentos oficiais do país ainda têm duas versões.
Agora, dependendo do resultado das discussões no Parlamento, a África do Sul poderá ter de imprimir passaportes, carteiras de motorista, livros didáticos, enfim, tudo que é escrito, em 11 línguas.
Embora os deputados tenham ainda cinco anos para finalizar a nova Constituição, os problemas já começaram.
Para que o Parlamento possa providenciar intérpretes e a aparelhagem necessária para a tradução, quem quiser falar em uma língua africana tem que informar sobre sua intenção com cinco dias de antecedência.
A disputa em torno das línguas começou com a defesa de que apenas o inglês fosse considerado oficial, por parte de políticos de Johannesburgo e da Cidade do Cabo, onde a fala britânica predomina.
"Isso é um insulto às outras línguas", disse à Folha o diretor do Departamento de Alfabetização da Fundação Africâner, na Cidade do Cabo, Flip Strydom.
"Estão querendo rebaixar o africâner, numa espécie de vingança, como se fôssemos responsáveis por todos os problemas da África do Sul", afirmou.
A forte reação dos africâners contra o "rebaixamento" de sua língua acabou levando a uma nivelação, para cima, do status de todas as principais línguas do país.
A atual Constituição relaciona entre os direitos do indivíduo o de usar a língua de sua escolha.
"É uma questão muito complicada para a África do Sul", disse a professora catedrática de xhosa na Universidade da África do Sul, em Pretória, Rosalie Sinlayson.
O xhosa (pronuncia-se "coça") é a língua materna da maioria dos membros do CNA (Congresso Nacional Africano), o partido do presidente Nelson Mandela, com 252 das 400 cadeiras do Parlamento.
"O inglês está surgindo como a língua de união. Só que há muito mais gente que fala xhosa ou zulu", disse Sinlayson.
"Eu penso em xhosa", argumentou o ministro de Serviço Público e Administração, Zola Skeweyiya.
"A Constituição prevê a formação de um Conselho Pan Sul-Africano de Linguagem", diz a parlamentar Baleka Kgotsile, do CNA.
Ex-exilada, militante feminista, ela afirma que "a lei permite que cheguemos a soluções criativas".
Num território onde os zulus disputaram terra com os xhosa, os bôeres (que falam o africâner) com os zulus, os britânicos com os bôeres, o debate é muito mais do que uma questão linguística.
"A língua é uma forma de fortalecer as pessoas, de elas estimarem por sua cultura. Por isso defendemos um país multilíngue", diz o diretor da Fundação Africâner.
Para o professor de zulu e xhosa da Universidade de Witwatersrand (uma das três melhores do país), em Johannesburgo, "a questão da língua está emocional".
"O mundo dos negócios é conduzido em inglês. Essa é a língua de fato oficial."

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