São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994 |
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A velocidade da história
JOSÉ MARTINS FILHO Num de seus contos mais notáveis, Jorge Luis Borges fala de uma equipe de cartógrafos que imaginou um mapa tão perfeito e detalhado que, uma vez estendido sobre a plataforma geográfica, correspondia em extensão a cada milímetro da região cartografada. Ou seja, o gigantesco mapa era tão extraordinário quanto minucioso, mas não servia para grande coisa.Era tão vasto que se tornava impraticável consultá-lo; e tão minudente que melhor seria percorrer a própria região a pé ou a cavalo, conferindo relevos, depressões, platôs e planícies. Borges não diz, mas é de se supor que durante a preparação do tal mapa passaram-se tantos e tantos anos que alguns dos cartógrafos terão sido surpreendidos pela morte; que os demais envelheceram a ponto de serem substituídos por cartógrafos da nova geração; que os estudantes que aguardavam a espantosa novidade concluíram seus cursos, receberam seus diplomas e decidiram conhecer a geografia que lhes era possível sem o concurso do mapa. Mas, principalmente, nesse entretempo, havia acontecido um sem número de revoluções e a geografia já era outra. As fronteiras tinham-se alargado aqui e estreitado ali, novas cidades haviam surgido, rios tinham sido desviados e grandes represas construídas na esteira da expansão industrial e da demanda urbana. Enfim, antes mesmo de dar-se por terminado e impresso, o grande mapa já era um documento de arquivo, uma relíquia do passado. Se tivesse sobrevivivo à derrocada do sistema soviético a partir de 1989, Borges teria talvez sorrido à idéia quase surreal de que todos os mapas-múndi se desatualizavam de uma só vez, como o fantástico (porém inútil) mapa de seus cartógrafos. Com efeito, o mundo desta última década do século já não é o mesmo dos anos 80. E mesmo a geografia do início dos 90 guarda já marcante diferença em relação à geografia atual, apenas quatro anos passados, agora que os Bálcãs voltaram a ser, como em outros tempos, uma coroa de pequenos Estados. A velocidade da história parece sugerir, muito borgianamente, que os novos mapas cheguem a seu destino –isto é, a seus leitores– no bojo de veículos que demonstrem ser tão rápidos quanto a própria história. Esses veículos da suprema atualidade são hoje em dia os jornais (ninguém imagine que vá receber uma carta geográfica pela TV). Por isso, quando a Folha anuncia que trará dentro um atlas com o mundo em sua versão atualizada, modificada e corrigida, nada mais de acordo com os tempos. Bom para o mundo, ótimo para os leitores. Texto Anterior: "Reeducar" a consciência Próximo Texto: Meios de comunicação, educação e cidadania Índice |
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