São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 1994
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No ar, os "amigos" das corporações

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O horário gratuito mostra a ruína das fronteiras partidárias e a tendência corporativa das campanhas. É rigorosamente linear o discurso dos candidatos a deputado. Todos, ou quase todos, independentemente de partidos, prometem moradia, saúde, segurança, moralidade. A igualdade de propósitos é constrangedora. E mais constrangedora, ainda, é a política de alianças: a fala histriônica e fascista do Afanásio, ao lado da mensagem "Covas governador", ilustra o "non sense" a que estamos submetidos.
A fragilidade ideológica dos partidos fortalece o regionalismo e as corporações. Sem falar na fisiologia. Diante do discurso comum, o fator de diferenciação é a defesa de um bairro ou de um aglomerado profissional. O novo "Estatuto da Advocacia" é reflexo recente desse tipo de desvio.
Fulano é "amigo" da Nossa Caixa. Beltrano é "amigo" dos telefônicos. Outros são "amigos" do DER, da Petrobrás, do Exército, do professorado, dos médicos. A relação é infinita. Humpty Dumpty, personagem de Lewis Carrol, reagiria de maneira triunfal ao uso indiscriminado da palavra "amigo" nas eleições: como ter como "amigo" algo que não pode acompanhá-lo ao cinema?
Há nisso tudo um obstáculo à modernização do Estado brasileiro. A legislação poderia decretar a inelegibilidade de determinados servidores, mas, ao contrário, lhes concede incentivos. O Congresso e o horário gratuito estão repletos de exemplos.
Licenciam-se temporariamente, abrindo um buraco na administração. Em caso de derrota, voltam, prontos para a próxima eleição. Elegem-se para defender interesses corporativos. Entram na disputa com vencimentos integrais. O tempo de mandato conta para promoção e aposentadoria. Não importa saber se se tratam de candidaturas de verdade ou de araque, nem se o impacto desse favorecimento, nos cofres públicos, é ou não expressivo. O problema é de ordem simbólica. O dinheiro do contribuinte sustenta a fisiologia ou o sonho reformador e bem-intencionado de pessoas contratadas para exercer um papel definido.
Servidores de duas categorias me parecem especialmente impossibilitados de concorrer sem se afastar definitivamente do cargo e da função que ocupam. Não pela lei em vigor, mas por princípios éticos e pelo que fazem no dia-a-dia: promotores de Justiça e policiais.
Nesse mar de indiferença ideológica, qualquer partido gostaria de ter em suas fileiras um delegado de polícia especializado em relações públicas. O lobby do Ministério Público no Congresso é tão poderoso (dele participava Ibsen Pinheiro...) que a Constituição de 88 proibiu a atividade político-partidária de promotores e procuradores, "salvo exceções previstas na lei", e a "lei" assegurou a militância e a candidatura de procuradores e promotores...
Determinados funcionários deveriam estar formalmente distantes das eleições, como estão os juízes. Porque, em relação a direitos e garantias individuais, concentram em suas mãos poderes extraordinários. A possibilidade teórica da candidatura de delegados e promotores já causa desconfiança. Contamina a independência do cargo, estimula falta de profissionalismo e, sobretudo, demagogia no trato de coisa séria.

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